[748.] Meo – Sofia
Ochamado robô Sophia é um Pato Donaltim global do século XXI. E é um grande negócio. Agora entra na campanha publicitária da Altice à sua nova box para acesso aos serviços da Meo. A Sophia é um brinquedo que mexe a boca, esboça um sorriso e pisca um olho. Nos bastidores, alguém lhe dá a voz, como o Feiticeiro de Oz. Ela fala qualquer língua, porque o Oz é qualquer mulher a quem dêem o papel para ler nas traseiras do “evento”. E têm sido muitos. O marketing da empresa proprietária, Hanson Robotics, diz que a Sophia “é uma oradora muito procurada por empresas” e que tem “estado cara a cara com poderosos da banca, seguros, indústria automóvel, imobiliário, media e entretenimento”. Um exemplar da boneca esteve com o presidente executivo da Altice Portugal numa conferência de imprensa de apresentação da nova box e interface Sofia, mas não deu muito para dialogar. Pareceu-me que Alexandre Fonseca não terá querido aderir demasiado à palhaçada. Porque é uma palhaçada. A Sophia é tão robô como a minha trisavó. Faz uns movimentos, como o cão de peluche à venda na loja dos trezentos, mas o essencial, o “diálogo” que ocorre em palcos de todo o mundo, é uma treta em que a audiência quer acreditar por ela ter uma forma humanóide. ASophia fala pela voz de alguém, como o Pato Donaltim, de José Frei- xo, o dotado ventríloquo que iniciou a sua carreira nos anos 70, mas, terrivelmente, os media falam da boneca como se fosse um robô pensante, quase como se fosse uma pessoa. Basta dar-se nome humano a uma coisa que os media caem na esparrela — para nos fazerem cair a nós na esparrela, seja a tempestade Gisela ou a boneca Sophia. A Hanson Robotics também alugou os serviços da boneca para uma campanha publicitária. A boneca Sophia aparece no site da Meo e protagoniza um anúncio vídeo com Cristiano Ronaldo, que começa com uns caracterizadores maquilhando a boneca, valorizando a sua cara, pois a boneca é apenas uma cara de plástico ou borracha. A voz-offda boneca, sentada no que se sugere ser a casa de Ronaldo (conhecida de outras performances mediáticas), diz ao futebolista: “Ui, és maior do que eu pensava”, o que nos põe logo na cabeça a ideia absurda de que a boneca pensa. Depois, a Sophia diz “olá, Sofia” e Ronaldo diz “não sou a Sofia, a Sofia está ali” e aponta para a box da Meo. A voz Oz que faz de Sofia descreve Ronaldo, o que é um pouco bizarro. O momento cómico ocorre quando Ronaldo diz à boneca para imitar o seu “grito de marca”, “Siiiiiiim”. A imitação da boneca, feita numa mesa de mistura, sai mal, para originar risos. Ronaldo ri. Depois, a parte séria: Ronaldo e a boneca debitam características da box Sofia. E Ronaldo lá vai dizendo que a Sofia (da Meo) é melhor do que a Sophia (da Hanson Robotics). O vídeo termina com Ronaldo a dar um beijo à boneca enquanto um homem de costas, que não se percebe por que razão ali está, faz uma foto do momento no telemóvel. Terminada a narrativa, outra voz feminina resume características da box e apresenta o slogan da campanha: “Meo. Humaniza-te.” O slogan indica que usando a box da Meo se fica mais humano do que a boneca Sophia. Convenhamos que não é difícil. Os publicitários foram confrontados com a necessidade de criar uma história envolvendo a boneca da Hanson e saiu-lhes isto. Não é grande coisa. Feito a correr. Nota-se que Ronaldo não decorou as frases, que as está a ler de um cartão à frente. E, todavia, Ronaldo é o melhor do anúncio. Tem um belo sorriso e já é um actor, acumulando décadas de experiência de representar nos estádios e em acções mediáticas, incluindo outros anúncios (banco, champô, roupa, sapatos, hotéis, etc.). Ronaldo salvou o anúncio, dado que a estúpida boneca Sophia é mil vezes pior do que um boneco nas mãos de um ventríloquo, como o Pato Donaltim de José Freixo. Coluna semanal à quinta-feira, excepcionalmente publicada hoje
O chamado robô Sophia é um Pato Donaltim global do século XXI. E é um grande negócio.