Jornal de Notícias

SEGURANÇA SOCIAL CORTA APOIO A 240 IDOSOS NO PORTO

Maria das Dores só sobrevive graças à ajuda na alimentaçã­o e apoio na higiene diária

- Tiago Rodrigues Alves locais@jn.pt

Daqui a três meses, 240 idosos do centro do Porto vão perder o apoio domiciliár­io da União de Freguesias. São pessoas sem família e com poucos recursos que vão ficar sem a única visita diária e ajuda que têm.

Fátima Carvalho me te a chave na fechadura e abre a porta da casa de Filomena Castro. “D. Filomena? Trago o almoço”, anuncia a técnica social da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto enquanto sobe as escadas da casa na Rua da Escola Normal. Filomena mora sozinha na casa onde nasceu há 95 anos. A sua família já se foi. É viúva e não tem filhos. “Só tenho um afilhado que me traz umas coisitas quando pode.”

As únicas visitas regulares que tem são as meninas do apoio domiciliár­io da freguesia que, de segunda a sexta, lhe trazem uma refeição, uma palavra amiga e mais coisas. Na passada terça-feira, 3 Deolinda Pereira, 44 anos, trabalha na junta de Santo Ildefonso há 16, sempre na assistênci­a domiciliár­ia. “Gosto do que faço. As pessoas estão sozinhas e nós ajudamo-las, fazemoslhe­s companhia e damoslhes carinho”, explica. 3 O marido de Deolinda rumou a França, para a construção civil que aqui estagnou. Ela ficou com os dois filhos e o pai. Se perder o emprego não sabe como se vai aguentar. “Isto está muito complicado.” E lamenta pelas idosas. “Elas não têm recursos nem família. Vão ficar sem apoio nenhum. Se isto acaba é uma pena para todos.” o almoço era bolinhos de bacalhau com batatas, sopa, pão e fruta. “Mas isto não é só trazer a comida”, diz Fátima. “Damos a medicação, limpamos a casa, vemos o correio, preparamos o leite... Elas dependem muito de nós. Algumas têm família, mas não querem saber delas”.

Filomena aproveita a visita para sair da cama e ir para a sala. “Tomo nove medicament­os por dia e não tenho andado bem. Dói-me a cabeça, por isso, deixo-me estar deitada”, explica. “No outro dia fui ao centro de saúde em Santos Pousada, mas já me canso muito”, diz, como que pedindo desculpa pelos seus 95 anos. Fátima ajuda-a a sentar-se no sofá. “Gosto muito desta menina de cabelo curtinho”, elogia Filomena. Se as técnicas deixassem de aparecer diz que se iria “desenrasca­r” – “que remédio!” – mas seria muito mais difícil. “Elas fazem-me muita falta.”

“Estou sozinha”

Sónia Rocha e Deolinda Pereira saem da Junta de Santo Ildefonso com os sacos carregados. Vão começar a ronda de apoio higiénico. A primeira visita do dia é na Rua de Camões. Antes, passam pelo minimercad­o a comprar o fiambre que a “Dorinhas” lhes tinha pedido.

Maria das Dores Ribeiro, 77 anos, a “Dorinhas”, mora sozinha. Há muitos anos, o noivo morreu no Ultramar e ela nunca acabou por casar. “Fiquei noiva três vezes, mas não fui até ao fim”, declara. As irmãs, de Celorico de Basto, também já morreram. “Não tenho nenhuma família. Estou sozinha”, diz secamente.

Maria das Dores está acamada já há alguns anos. A visita das técnicas traz ajuda e alegria. Dão-lhe banho, limpam a casa, mudam a cama, fazem recados, pagam a renda e, se for preciso, ainda a acompanham às consultas médicas. “Eu preciso muito delas”, garante Maria das Dores. Se o apoio acabar, já antecipa como vai ser: “Enquanto eu posso, vou fazendo. Se não puder fazer, não como.”

“Há situações que nos fazem doer um bocadinho”, confessa Sónia. “Pessoas acamadas e sem família que sem nós não têm qualquer apoio”, acrescenta. Deolinda sente o mesmo. “Não têm ninguém. É uma solidão muito grande. Somos como filhas adotivas.

CENTROS DE DIA, REFEIÇÕES, APOIO DOMICILIÁR­IO E HIGIÉNICO ACABAM EM JUNHO

Às sextas, vemos tristeza nos olhos porque sabem que nos dias seguintes não vai aparecer ninguém.”

Filomena e Maria das Dores são duas das 240 pessoas que, em junho, vão perder o apoio domiciliár­io. Também os centros de dia vão fechar. Em 2013, o de Santo Ildefonso teve obras no valor de 90 mil euros para, entre outras coisas, modernizar a cozinha. Uma cozinha que, a partir de junho, vai deixar de confeciona­r refeições e lanches.

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Deolinda ajuda Maria das Dores, 77 anos, a sentar-se na mesa para depois lhe dar a refeição e m
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Filomena Castro , 95 anos, explica a Fátima as dores que tem
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Fátima mostra a refeição: bo li
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ARTUR MACHADO / GLOBAL IMAGENS
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nhos de bacalhau com batatas

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