Jornal de Notícias

O silêncio dos inocentes

- Por DAVID PONTES Subdiretor

Antes de me começarem a desancar, quero fazer uma declaração de empenho: tenho dois cães, um gato, dois porquinhos-da-índia e, até à semana passada, tinha um peixinho vermelho, mas uma interação com o gato diminuiu a presença do mundo animal lá em casa. Dito isto, é com um misto de pesar e espanto que vejo milhares de concidadão­s empenharem-se até à irracional­idade em todos os temas que dizem respeito aos direitos dos animais. Não porque os animais não mereçam a nossa atenção e proteção, mas porque há muitos outros assuntos que merecem e não recebem o mesmo sobressalt­o por parte de quem está sempre disponível para erguer estátuas a cães ou mudar-lhes o nome para Mandela.

Eu até consigo ter empatia pela dor do dono do Simba (o último de uma longa galeria de “heróis”) e, por essa razão, aceitar que ele ache que o cão dele deve ser “uma bandeira nacional contra os maus-tratos aos animais”, embora me pareça mais adequado que fosse contra os vizinhos cretinos. Mas temos de sentir as mesmas frases, o mesmo empenho, nas redes sociais, no debate público com, por exemplo, a última vítima de violência doméstica.

Dir-me-ão que não são possíveis comparaçõe­s e que isto é tudo fenómeno das redes sociais e das causas instantâne­as. Mas num país em que há um partido dos animais e tanta gente disponível para lutar pelos seus direitos, eu respondo que, em tudo o resto, por comparação, nos parece faltar uma sociedade civil mais ativa e esclarecid­a.

E não me venham com a conversa de que os animais são inocentes, não têm voz e por essa razão há que falar por eles. Também as crianças são inocentes e sem voz. Num país onde, em 2013, a taxa de risco de pobreza infantil era de 25,6%, só posso constatar que falta um enorme coro de protesto. Façam lá “like” a isto.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal