Dos moradores inquiridos no levantamento e caracterização das ilhas do Porto preferem ficar numa casa reabilitada no mesmo local onde hoje residem. Só 12,4% optariam pela ida para um bairro municipal.
aceita residir noutra zona desde que continue a morar numa casa.
Serafim Silva sabe bem o que é partir e estar perdido entre o irreconhecível, mesmo com o bolso cheio de dinheiro. Falta a família, falta o lugar de onde se é. A vida no Bacelo, em Campanhã, era dura, “uma miséria terrível”. Trabalho a mais e dinheiro curto. Como outros homens da terra arriscou a travessia ibérica até França. “Fui de assalto com passadores até chegar a Paris. O que ganhava cá numa semana, fazia lá num dia. Estive quatro anos, mas tinha saudades”, recor- da. Perde a voz, engolida pela emoção, ao lembrar a dúvida do filho de três anos: “Ao ver-me chegar, ele perguntou à mãe: Quem é esse homem? Já não me conhecia”.
Não partiu mais, ficou na ilha do Bacelo, na casa azul que serviu aos seus pais, à sua vida de casado e agora à sua solidão. “Chegámos a viver sete pessoas neste casarão”, sorri. “Éramos três irmãos e dormíamos na mesma cama. Um deitava-se para os pés com cheiro de peúga, os outros dois dormiam para cima. Era à vez”. A casa está longe do bulir urbano. Mas a necessidade também foi o alicerce. Ergueu-se, tal como muitas outras em Campanhã, da urgência de dar um teto a quem trabalhava a terra.
Os campos agrícolas cederam espaço às casas pequenas, que se multiplicaram em anexos de chapa, esmagando os campos na Ribeira da Granja até não restar mais do que uma horta. “Antigamente, dava gosto ver os campos cheios de milho, mas as pessoas foram construindo casas. Agora, faço esta horta sozinho. A minha mulher morreu há 10 anos e aí é que damos valor. Queremos falar com alguém e não há”, suspira. Para espantar a solidão, Serafim herdou o cão da vizinha, que se mudou para uma casa mais cara, mas sem chuva a cair do teto. O cão ladra, corre a ilha labiríntica à descoberta dos estranhos. Fá-lo sem nome. “Deram-lhe um nome estranho, em inglês”, justifica. Enrola-se na língua. Para simplificar, Serafim chama-lhe fadista e ele vem ao afeto.