Portugal é o país mais desigual da Europa
Apesar de ter diminuído, fosso entre ricos e pobres mantém-se elevado. Desigualdade está a travar crescimento económico
O fosso entre ricos e pobres continua a alargar-se, atingindo mesmo o nível mais elevado dos últimos 30 anos. Em risco estão a coesão social e o crescimento económico a longo prazo. E Portugal destaca-se, mas pelos piores motivos. Assim alerta a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Num relatório divulgado ontem, o organismo coloca Portugal em sétimo lugar no que concerne à desigualdade de rendimentos, num universo de 30 países. Analisando o coeficiente de Gini, indicador que mede a desigualdade de rendimentos (0 para países com igualdade, 1 para países com maior desigualdade), Portugal registou um decréscimo entre 2011 e 2013, passando de 0,343 para 0,338, mas mantém-se acima da média da OCDE, de 0,315. E os dados em questão não incluem os valores do Chile e da Turquia, que em 2011 eram, respetivamente, o 1.º e o 3.º países mais desiguais.
Se cruzarmos com estatísticas recentes do Eurostat, ficamos ainda a saber que, no seio da União Europeia (UE) a 28, somos mesmo o país mais desigual, com 10% dos mais ricos a deterem 27% da riqueza, seguindo-se a Letónia. Olhando para o universo da OCDE, em Portugal, em 2013, os 40% mais pobres detinham 19,5% da riqueza, sendo a média daqueles países de 20,6%. Já os 10% mais pobres detinham apenas 2,6% da riqueza (ver infografia).
Desigualdade trava crescimento
“Hoje, nos países da OCDE, os 10% mais ricos ganham 9,6 vezes mais do que os 10% mais pobres. Nos anos 80 esse rácio era de 7,1, subindo para 8,1 nos anos 90 e para 9,1 em 2000”, lê-se no documento da OCDE, que assinala a queda no emprego como a principal causa do alargamento do fosso. Consequências? “Para além do seu impacto na coesão social, o crescimento da desigualdade é negativo para o crescimento económico a longo prazo”. A Organização mostra-se cética, porque, diz, “o aumento da desigualdade está tão enraizado nas estruturas económicas que vai ser difícil revertê-lo”.
Curiosamente, Portugal encontra-se em contraciclo com a média da OCDE no que se refere à quebra de rendimentos. Entre 2007 e 2011, os 10% mais ricos perderam 3,7% dos seus rendimentos, enquanto os 10% mais pobres registaram uma quebra de 1,9%. Isto porque inclui anos ainda de algum crescimento, explica o economista Carlos Farinha Rodrigues. Se olharmos ao pico da crise, constata-se que entre 2009-2013 os 10% mais ricos viram o seu rendimento cair 8%, enquanto o dos 10% mais pobres recuou 24% (ler entrevista ao lado).
Peso do trabalho temporário
A OCDE alerta ainda para o peso do emprego não convencional (ou precário) e para o seu efeito no aumento da desigualdade e da pobreza. Desde a crise que mais de 60% dos empregos criados eram temporários, em part-time ou por conta própria, representando hoje um terço do total. “As famílias que estão muito dependentes de rendimentos deste tipo de trabalho têm taxas de pobreza mais elevadas – 22%, em média”, dizem.
São trabalhos maioritariamente ocupados por mulheres, jovens e pessoas com baixas qualificações. Em média, ganham metade e predominam nas famílias com crianças a cargo. E se o trabalho não convencional pode ser visto como um trampolim para um emprego mais estável, os números mostram que, em Portugal, apenas 38,63% conseguiram um emprego a tempo inteiro três anos depois. Por cá, a taxa de pobreza em famílias com este tipo de trabalhadores era de 29,1%.
E quanto mais díspar a distribuição de rendimentos, maior a taxa de pobreza. Em 2013 aquela taxa terá fechado em Portugal nos 12,9%, contra uma média da OCDE de 11,2%, afetando mais as crianças e menos os idosos. Neste campo, a Organização é perentória: “A pobreza aumentou, independentemente da forma como é calculada”.
Apesar de cética, a OCDE aponta caminhos: participação das mulheres na vida económica – têm 16% menos probabilidades de conseguirem um trabalho remunerado do que os homens, ganhando menos 15% –; promoção do emprego; aposta na educação e nas qualificações – quanto menores os estudos maior o risco de desemprego e de pobreza; e um sistema de impostos e de transferências sociais com vista a uma eficiente redistribuição.
“Aumento da desigualdade é negativo para o crescimento económico”