Jornal de Notícias

Indignação

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Por razões de agenda fui, em meados dos anos 90, destacado para, em véspera de Natal, fazer uma pequena reportagem ao “Coração da Cidade”, uma benemérita instituiçã­o de caráter social que estava a dar os primeiros passos na Rua do Bonjardim, bem perto do JN. À hora aprazada, começaram a chegar os primeiros deserdados da vida e, de súbito, encontrei-o.

Ali estava ele: de fato impecável, apesar de coçado; de gravata berrante colocada numa camisa de colarinhos a ameaçar ruína e, na mão, uma daquelas pastas que os executivos tanto gostam de usar quanto mais não seja por ostentação. Viu-me e de imediato veio ter comigo, pedindo-me que não citasse o seu nome na notícia que certamente iria fazer. Disse-lhe que não era minha intenção identifica­r fosse quem fosse e ele, já tranquilo, contou-me o que lhe tinha acontecido.

Ele tinha sido meu companheir­o de escola, fizera uma carreira de relevo numa instituiçã­o bancária nortenha e, depois, enveredou pelo mundo dos negócios que, tendo começado bem, acabou por conduzir à sua ruína: perdeu as empresas, depois perdeu a família e os amigos desaparece­ram pelo que tinha de ir ao “Coração da Cidade” para comer qualquer coisa antes de recolher a um quarto pouco menos do que miserável…

Por aquela altura já eram evidentes os efeitos da degradação que se tinha abatido sobre a cidade – e essa degradação acentuou-se como toda a gente sabe e não se vê algum movimento regenerado­r no sentido de dar nova vida ao Porto. Hélder Pacheco, meu companheir­o de caminhada neste “Passeio Público”, indignava-se há dias com a triste visão que teve quando há dias na sua freguesia natal (Vitória) encontrou dezenas de pessoas a receberem alimentos de uma das muitas carrinhas que percorrem o Porto dando de comer a quem tem fome.

Tristement­e, resta apenas juntar-me à indignação de Hélder Pacheco.

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