Pagar por cima
Não sei se é originalidade nossa: no teatro associativo, os actores actuam e ainda pagam por cima. E são aderecistas, cenaristas, carpinteiros, sonoplastas, luminotécnicos e tudo o mais. Ensaiam meses e assumem as despesas dos transportes. E, no dia da estreia, alguns choram de incontida emoção e alegria pelo dever cumprido.
O dever para com um ideal, uma causa chamada cultura, dádiva (aos outros) e contribuição para o bem comum. Dantes diziam-se amadores, palavra depreciada pelos proprietários da alta cultura. Todavia amador – se os dicionários ainda contam – significa “que tem amor, que pratica a arte por amor sem alcançar benefício”. E isso faz a diferença.
Teatro associativo e amador é o praticado pela “Companhia Teatral de Ramalde”, do Conjunto Dramático 26 de Janeiro, fundado em 1924. Estreou há dias o seu 25.º espectáculo, na sequência de número incontável que a Associação Recreativa e Cultural que o suporta levou à cena. A comédia agora apresentada integra-se na 20.ª edição do Amasporto, encontro de teatro associativo, onde participam mais quatro grupos que pagam para amar.
Duramente atingidas pelo Inverno da austeridade, pelo esquecimento dos valores associativos e desprezo pela cultura praticada ao nível do rés-do-chão, nos bairros e lugares onde havia povo, estas associações pertencem a um mundo em vias de extinção. Não fora o apoio da Autarquia ramaldense e tudo ficava no caminho da perdição. Ser instituição de utilidade pública vale pouco numa democracia onde se promulgam leis que quintuplicam rendas sem olhar a quem. Habituadas a uma cultura de resistência, as colectividades entraram na fase da sobrevivência. Ou da revolta pela indiferença a que são votadas. (Espero que o título da comédia estreada não seja premonitório: “Isto vai acabar mal!”).
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu razão aos pais dos 42 alunos da EB1 dos Correios transferidos, no início do ano letivo, para a Escola da Meia Laranja, em Vila do Conde. A sentença ordena o retorno das crianças aos Correios. Na segunda-feira, os pais vão exigir a reintegração. O Agrupamento de Escolas D. Afonso Sanches não comenta, mas não deverá ter forma de cumprir a decisão, dada a sobrelotação da escola dos Correios.
“É um alívio ver feita justiça, mas, por outro lado, é uma frustração. Os nossos filhos foram vítimas de uma decisão e injusta e não tiveram o apoio de ninguém”, diz Miguel Santos, porta-voz do grupo e membro da associação de pais.
“Não se descortina qualquer razão ou argumento de natureza legal ou pedagógica que justifique o facto de o Agrupamento aceitar, simultaneamente, renovações de matrícula e mais matrículas para a EB1, manifestamente excedentes da capacidade detida”, afirma a sentença. O tribunal diz ainda não entender como é que, face à falta de espaço na “escola-mãe”, “a prioridade foi dada à entrada de novos alunos do 1.º ano em detrimento dos já existentes”, sublinhando a “ilegalidade” da transferência.
Como noticiou o JN, a 6 de agosto passado os pais de 42 alunos da EB 1 dos Correios foram “surpreendidos” pela decisão de transferir duas turmas do 4.º ano para a Meia Laranja (uma velha escola desativada, a um quilómetro de distância, que já em 2006 a Carta Educativa mandava encerrar por falta de condições). Nos Correios ficaram uma turma do 4.º ano, o 3.º, o 2.º e três novas turmas do 1.º. As crianças choraram e, sem resposta, os pais avançaram para tribunal. O Ministério da Educação invocou o “interesse público” e travou a providência cautelar. Os meninos ficaram na Meia Laranja. Agora o tribunal dá razão aos pais.
Contactada pelo JN, a diretora do Agrupamento, Ana Alice Rodrigues, diz não ter qualquer informação sobre o teor da sentença e, por isso, não comenta.