Automutilação aumenta entre adolescentes
Especialistas recebem cada vez mais jovens que fazem cortes nos braços, nas pernas e na barriga, para aliviarem problemas emocionais
Os comportamentos autolesivos, como cortar um braço com um x-ato, entre os mais jovens começam a ser cada vez mais evidentes, e em idades precoces. O fenómeno começa agora a ser registado para compreender-se a sua real dimensão. Não há, contudo, números oficiais sobre este problema.
“No outro dia, uma menina que é minha paciente ligou-me e disse-me ‘está a apetecer cortar-me’”, exemplificou Ana Vasconcelos, pedopsiquiatra. Para esta especialista, “estamos numa altura em que a autoagressão entre os mais novos começa a ser cada vez mais vista nos consultórios. Falamos de jovens que, por exemplo, se cortam “nos braços, nas pernas, na barriga, para aliviarem uma grande dor emocional”, explica.
Um enorme “sinal de alarme”
Não há números oficiais devidamente compilados. A DGS, que o JN contactou, refere que isto não é uma doença. Não é uma doença, “mas está associada a perturbações de ansiedade e a perturbações depressivas”, refere Daniel Sampaio, psiquiatra e especialista na área da adolescência. Não é uma doença, mas “é um grande sinal de alarme”.
Talvez por isso mesmo, o assunto começa a ser falado mais amiúde. E deu lugar, por exemplo, a uma tese de doutoramento que fez um estudo sobre adolescentes de esco- las da Região da Grande Lisboa. O seu autor, Diogo Guerreiro, concluiu que, numa amostra com cerca de 1200 jovens, com idades entre os 12 e os 18 anos, 7% dos inquiridos já tinham cometido, pelo menos uma vez, um comportamento autolesivo. Dos que tiveram este tipo de comportamento, 50% fizeram-no várias vezes ao longo da vida. A tese avança ainda que isto é mais frequente nas raparigas.
Destaque-se que os comportamentos autolesivos, regressa Daniel Sampaio, “não se resumem aos cortes” – que podem ser feitos com x-atos, lâminas de barbear ou facas – “são também as queimaduras de cigarro, ou o bater com a cabeça nas paredes”.
O que escondem este atos?
O que escondem este atos, eles próprios tantas vezes escondidos dos pais e dos amigos? Para Ana Vasconcelos, não escondem, evidenciam, salientando um enorme sofrimento emocional. “Revelam um enorme sentimento de impotência perante a vida e face ao futuro”. Em muitos destes meninos, que estão no auge do pensamento existencialista, “fica saliente o sentimento de que a morte é certa e de que a vida não faz sentido”, explica a especialista. Mas estes jovens, alerta Daniel Sampaio, que “têm a intenção de se agredirem , não têm a intenção de morrer”.
Basicamente, como não conseguem lidar com tamanha dor emocional, trocam esta dor, com a qual não sabem lidar, “por uma outra, mais concreta, mais definida, ou seja, por uma dor física”. Uma dor física que “em dois terços dos casos é durante muito tempo escondida da família e dos amigos”, revela.
Um preditor de suicídio
Na maioria dos casos, o jovem que se autoagride não tem intenção de morte, mas “é imperativo que peça ajuda”, porque, em alguns casos “pode ser um preditor de uma futura tentativa de suicídio”. “Adolescentes normais não se cortam”, assevera Daniel Sampaio.
É necessário que se tratem porque “é preciso que se perceba qual é a doença associada, se uma depressão, se uma perturbação da ansiedade, se um distúrbio de personalidade, porque cada uma tem um tratamento específico”, avisa.
O JN tentou saber junto da Comissão Nacional de Proteção de Menores se as comissões têm reportado casos destes; e ainda mais informação junto da coordenação dos Núcleos de Apoio a Crianças e Jovens em Risco nos hospitais, mas não obteve respostas.