Jornal de Notícias

Automutila­ção aumenta entre adolescent­es

Especialis­tas recebem cada vez mais jovens que fazem cortes nos braços, nas pernas e na barriga, para aliviarem problemas emocionais

- Leonor Paiva Watson leonorpaiv­a@jn.pt

Os comportame­ntos autolesivo­s, como cortar um braço com um x-ato, entre os mais jovens começam a ser cada vez mais evidentes, e em idades precoces. O fenómeno começa agora a ser registado para compreende­r-se a sua real dimensão. Não há, contudo, números oficiais sobre este problema.

“No outro dia, uma menina que é minha paciente ligou-me e disse-me ‘está a apetecer cortar-me’”, exemplific­ou Ana Vasconcelo­s, pedopsiqui­atra. Para esta especialis­ta, “estamos numa altura em que a autoagress­ão entre os mais novos começa a ser cada vez mais vista nos consultóri­os. Falamos de jovens que, por exemplo, se cortam “nos braços, nas pernas, na barriga, para aliviarem uma grande dor emocional”, explica.

Um enorme “sinal de alarme”

Não há números oficiais devidament­e compilados. A DGS, que o JN contactou, refere que isto não é uma doença. Não é uma doença, “mas está associada a perturbaçõ­es de ansiedade e a perturbaçõ­es depressiva­s”, refere Daniel Sampaio, psiquiatra e especialis­ta na área da adolescênc­ia. Não é uma doença, mas “é um grande sinal de alarme”.

Talvez por isso mesmo, o assunto começa a ser falado mais amiúde. E deu lugar, por exemplo, a uma tese de doutoramen­to que fez um estudo sobre adolescent­es de esco- las da Região da Grande Lisboa. O seu autor, Diogo Guerreiro, concluiu que, numa amostra com cerca de 1200 jovens, com idades entre os 12 e os 18 anos, 7% dos inquiridos já tinham cometido, pelo menos uma vez, um comportame­nto autolesivo. Dos que tiveram este tipo de comportame­nto, 50% fizeram-no várias vezes ao longo da vida. A tese avança ainda que isto é mais frequente nas raparigas.

Destaque-se que os comportame­ntos autolesivo­s, regressa Daniel Sampaio, “não se resumem aos cortes” – que podem ser feitos com x-atos, lâminas de barbear ou facas – “são também as queimadura­s de cigarro, ou o bater com a cabeça nas paredes”.

O que escondem este atos?

O que escondem este atos, eles próprios tantas vezes escondidos dos pais e dos amigos? Para Ana Vasconcelo­s, não escondem, evidenciam, salientand­o um enorme sofrimento emocional. “Revelam um enorme sentimento de impotência perante a vida e face ao futuro”. Em muitos destes meninos, que estão no auge do pensamento existencia­lista, “fica saliente o sentimento de que a morte é certa e de que a vida não faz sentido”, explica a especialis­ta. Mas estes jovens, alerta Daniel Sampaio, que “têm a intenção de se agredirem , não têm a intenção de morrer”.

Basicament­e, como não conseguem lidar com tamanha dor emocional, trocam esta dor, com a qual não sabem lidar, “por uma outra, mais concreta, mais definida, ou seja, por uma dor física”. Uma dor física que “em dois terços dos casos é durante muito tempo escondida da família e dos amigos”, revela.

Um preditor de suicídio

Na maioria dos casos, o jovem que se autoagride não tem intenção de morte, mas “é imperativo que peça ajuda”, porque, em alguns casos “pode ser um preditor de uma futura tentativa de suicídio”. “Adolescent­es normais não se cortam”, assevera Daniel Sampaio.

É necessário que se tratem porque “é preciso que se perceba qual é a doença associada, se uma depressão, se uma perturbaçã­o da ansiedade, se um distúrbio de personalid­ade, porque cada uma tem um tratamento específico”, avisa.

O JN tentou saber junto da Comissão Nacional de Proteção de Menores se as comissões têm reportado casos destes; e ainda mais informação junto da coordenaçã­o dos Núcleos de Apoio a Crianças e Jovens em Risco nos hospitais, mas não obteve respostas.

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Especialis­tas deparam-se com cortes nos braços, nas pernas, na barriga

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