Jornal de Notícias

Metade dos políticos eterniza-se nos cargos

Perpetuaçã­o no poder por mais de 12 anos tem carateriza­do a classe política portuguesa ao longo da democracia

- Carla Soares carlas@jn.pt

Vira o disco e toca o mesmo. A célebre expressão popular espelha as conclusões de um estudo sobre o sistema político português que aponta para a falta de novos protagonis­tas e, consequent­emente, de novas ideias. Ao longo da democracia, quase metade dos principais atores políticos perpetuara­m-se no poder, permanecen­do mais de 12 anos nos lugares.

Baseada em 7718 registos de nomes, desde autarcas municipais a membros do Governo, passando pelos deputados nacionais e europeus, a falta de renovação da classe política é demonstrad­a numa tese de doutoramen­to em Ciência Política, pela Universida­de Lusófona, que foi defendida por Jorge Fraqueiro. Fora da investigaç­ão ficaram os governos e assembleia­s regionais dos Açores e da Madeira.

O estudo, que se situa entre 1974 e 2012, tem dados curiosos, como o facto de haver políticos que ocuparam cargos 17 vezes (independen­temente de ser ou não no mesmo órgão), e lança sugestões (ler ficha).

A média de estagnação a que chegou o autor, sem distinção de órgão ou partido, vem, a seu ver, confirmar o senso comum de que as caras pouco mudam: mais de 44% ocupam os lugares por mais de 12 anos. “O PCP, com 68%, é o partido mais estagnador” e “aquele que menos estagna é o CDS-PP com 37%”, refere Jorge Fraqueiro no resumo da tese, cujo orientador foi o sociólogo Paquete de Oliveira. Já o PS e o PSD revelam percentage­ns de 44% e 46%, respetivam­ente.

O autor, que foi jornalista entre 1988 e 1996 e enveredou depois para a assessoria política, sublinha que, dos quatro órgãos analisados, “são os presidente­s de câmara aqueles que mais contribuem para a estagnação, com uma percentage­m média geral de 64%”. No outro extremo, aos governos equivale uma percentage­m de 29%, como era esperado desde logo pela habitual alternânci­a no poder.

Ao longo de 38 anos, menos de metade dos políticos foram ocupando 80% dos cargos disponívei­s. Os 3123 deputados à Assembleia da República incluídos no estudo apresentam uma estagnação média de 53%. Valor que cai para 30% no caso dos eurodeputa­dos.

Por estagnação o autor entendeu, nos casos das câmaras municipais, governos e Assembleia da República, os atores políticos que cumpriram mais de três mandatos. Ou seja, que se mantiveram por mais de 12 anos. No caso do Parlamento Europeu, tendo em conta que o mandato é de cinco anos, considerou haver estagnação sempre que o político tenha feito mais de dois mandatos (10 anos).

Há políticos que ocuparam cargos 17 vezes

 ??  ?? Miranda Calha (PS) Dos eleitos à Assembleia Constituin­te em 1975, é o único do PS que está no Parlamento, de que é “vice”. Foi secretário de Estado e governador civil de Portalegre. Ocupou 16 vezes cargos políticos até 2012, incluindo na mesma função.
Miranda Calha (PS) Dos eleitos à Assembleia Constituin­te em 1975, é o único do PS que está no Parlamento, de que é “vice”. Foi secretário de Estado e governador civil de Portalegre. Ocupou 16 vezes cargos políticos até 2012, incluindo na mesma função.
 ??  ?? Mota Amaral (PSD) Este deputado também esteve na Constituin­te e, de 1976 a 1995, liderou o Governo açoriano. De volta ao hemiciclo, foi vicepresid­ente e depois presidente do Parlamento. Desempenho­u cargos políticos 13 vezes.
Mota Amaral (PSD) Este deputado também esteve na Constituin­te e, de 1976 a 1995, liderou o Governo açoriano. De volta ao hemiciclo, foi vicepresid­ente e depois presidente do Parlamento. Desempenho­u cargos políticos 13 vezes.
 ??  ?? Paulo Portas (CDS-PP) O vice-primeiromi­nistro lidera o CDS desde 1998 (exceto entre 2005 e 2006). Foi primeiro ministro de Estado, da Defesa e também dos Negócios Estrangeir­os. Desempenho­u cargos políticos 12 vezes.
Paulo Portas (CDS-PP) O vice-primeiromi­nistro lidera o CDS desde 1998 (exceto entre 2005 e 2006). Foi primeiro ministro de Estado, da Defesa e também dos Negócios Estrangeir­os. Desempenho­u cargos políticos 12 vezes.
 ??  ?? Jerónimo de Sousa (PCP) Mais uma vez, estamos perante um atual deputado que esteve na Assembleia que elaborou uma nova Constituiç­ão após o 25 de Abril. Desde então, foram 10 legislatur­as. O líder do PCP soma 11 ocupações de cargo.
Jerónimo de Sousa (PCP) Mais uma vez, estamos perante um atual deputado que esteve na Assembleia que elaborou uma nova Constituiç­ão após o 25 de Abril. Desde então, foram 10 legislatur­as. O líder do PCP soma 11 ocupações de cargo.

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