Pobreza 48 mil comem todos os dias nas cantinas sociais
Nos primeiros seis meses deste ano foram servidas 8,6 milhões de refeições Só no Algarve, 23 mil pessoas beneficiam da ajuda de emergência alimentar
Perto de 48 mil refeições são servidas todos os dias nas 843 cantinas sociais do país, um número que revela uma ligeira descida face ao primeiro semestre do ano passado, altura em que passavam das 49 mil. Isto porque se verificou uma melhoria nas zonas menos urbanas, segundo o presidente da União das Misericórdias Portuguesas, estrutura que optou, contudo, por manter os protocolos ativos. “Ainda há um número muito significativo de pessoas que vão às instituições”.
Lembrando que o Estado só paga as refeições efetivamente servidas (a 2,50€), Manuel de Lemos acredita que o Programa de Emergência Alimentar foi a solução rápida e eficaz de responder à crise. Rápida porque recorreu à capacidade instalada e eficaz porque permitiu alcançar as situações de pobreza envergonhada, disse, em declarações à Lusa.
Pedidos a subir
O Algarve é uma das regiões onde essa pobreza envergonhada mais se nota. A sazonalidade do empre- go numa região onde o turismo é a mola real de toda a economia explica grande parte desta realidade. E Faro é o sexto distrito com maior número de cantinas sociais em todo o país, com 46 dos 843 protocolos com o Instituto da Segurança Social. Poderá parecer pouco quando comparado com os 126 de Lisboa, mas são mais, por exemplo, do que os existentes no Porto ou em Setúbal (42).
Uma realidade escondida debaixo do sol e atrás dos hotéis cheios, dos resorts de luxo e das discotecas a fervilhar nesta altura do ano. E que parece estar em contraciclo com a tendência nacional: o Banco Alimentar do Algarve registou este ano um aumento de 44% nas pessoas apoiadas.
Em várias instituições que o JN visitou, os relatos apontam no mesmo sentido. Os pedidos de ajuda começam a diminuir na primavera e disparam no final de setembro. “Durante o inverno, os pedidos aumentam 50% e o ritmo só abranda a partir de abril, quando há muita gente que vai trabalhar para a Quinta do Lago nas limpezas de jardins e piscinas”, adianta Tânia Lourenço, da cantina social do Centro Paroquial de Santa Bárbara de Nexe, em Faro.
Nuno Cabrita Alves, do Banco Alimentar do Algarve, avança com números: entre esta instituição e outras que se dedicam a apoios sociais (cantinas sociais, mas não só) são distribuídas anualmente sete milhões de refeições. Uma impressionante média de 20 mil por dia, numa região com cerca de 450 mil habitantes. “Estamos a alimentar mais pessoas desde setembro do ano passado. Em 2014 apoiámos 16 mil pessoas e 70 instituições. Este ano, em seis meses, estamos a auxiliar 23 mil pessoas e 110 instituições, uma subida de 44% e 57%, respetivamente”.
Segundo o responsável, as carências são mais sentidas nos meios urbanos, com destaque para o caso muito peculiar de Albufeira. “Por ser vista como a meca do turismo, as pessoas chegam sem nada, convencidas de que vão encontrar trabalho facilmente. Depois percebem que não é o tal eldorado e de repente veem-se sem emprego, sem casa e ficam à mercê da rede social”.
“Muitas unidades hoteleiras encerram na época baixa devido à crise. As pessoas fazem o verão e depois voltam para o desemprego, como antes”, resume, realçando a relação direta entre pobreza e sazonalidade do emprego.