Jornal de Notícias

Ninharias estatístic­as

- Rafael Barbosa Editor-executivo

Está em todos os cartapácio­s de introdução à Economia: não há almoços grátis. Ainda assim, e desde que interveio no BES, o Governo PSD/CDS não tem feito outra coisa do que tentar contrariar as teses académicas (e já agora o senso comum), fingindo que a injeção de 4900 milhões de euros de dinheiros públicos no Novo Banco é um almoço grátis. Também já se sabia que a mentira tem perna curta (apesar de este princípio não estar aparenteme­nte inscrito nos cartapácio­s de Economia), mas ontem o INE tratou de o evidenciar, anunciando que o défice público de 2014 passou, graças à operação de resgate do “banco bom”, de 4,5% para 7,2% do PIB (ou seja, que o Governo gastou afinal mais 12,4 mil milhões de euros do que aquilo que recebeu, aumentando a dívida do país).

Dizia a ministra das Finanças, antecipand­o o que aí vinha, que a subida do défice teria um efeito “meramente estatístic­o”. Acontece que esse efeito “meramente estatístic­o”, como lhe chama Maria Luís Albuquerqu­e, se traduz numa fatura de 490 euros para cada um dos 10 milhões de portuguese­s. Os tais a quem foi garantido que não seriam chamados, em caso algum, a pagar o desastre (e os crimes) do BES. Ontem mesmo, Passos Coelho repetiu o argumento: o aumento do défice “não tem nenhum efeito na vida das pessoas”. Mais, o dinheiro dos contribuin­tes empatado no BES vai dar lucro. “O dinheiro está a render”, disse o primeiro-ministro. Dito de outra forma, o almoço, além de grátis, dá direito a gorjeta para o comensal. Os economista­s vão ter de mandar os cartapácio­s para o lixo e fazer novas edições.

Ou isso, ou o primeiro-ministro está (mais uma vez) enganado e porventura a enganar-nos. O que se passou nos últimos anos não ajuda à narrativa. Como alertou por estes dias o Banco Central Europeu (sendo um banco, nesta matéria é insuspeito), desde 2008 os contribuin­tes foram chamados a pagar 19500 milhões de euros para salvar bancos, o equivalent­e a 1950 euros por português. Pior ainda, a capacidade do Estado (e portanto de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerqu­e, os governante­s de turno) de recuperar essa montanha de dinheiro foi quase nula. O almoço, lá está, não foi nem será grátis.

Finalmente, o argumento do efeito “meramente estatístic­o” é insultuoso para milhões de portuguese­s chamados, durante estes quatro anos, a enormes sacrifício­s – aumento brutal de impostos, cortes nos salários e nas pensões, para só falar de alguns dos mais pesados. Convém não esquecer que foram obrigados a empobrecer, a perder o emprego e a emigrar precisamen­te em nome do controlo do défice e portanto do controlo da dívida. Ou seja, em nome de ninharias “meramente estatístic­as”.

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