Jornal de Notícias

O tempo de Cristas

- David Pontes Subdiretor

Aí está: “o partido do homem só” perdeu o homem e ganhou uma mulher. Paulo Portas, o mais resiliente político português, teve a sageza, que nunca lhe faltou, de perceber que este já não era o seu tempo político como líder do CDS-PP. A ressaca das eleições de 4 de outubro seria sempre muito mais dolorosa de digerir por um dos protagonis­tas do Executivo anterior, ainda mais marcado pelo episódio da “demissão irrevogáve­l”.

Com a saída de Portas, sobe Assunção Cristas, que um dia o ex-líder do CDS-PP descobriu na plateia do programa televisivo “Prós e Contras” a defender o “não” à despenaliz­ação do aborto e que se transformo­u num dos principais quadros de um partido que foi mesmo de “um homem só”, mas bem acompanhad­o. A ascensão de Cristas, militante desde 2007, é a prova final dessa habilidade de Portas em escolher elementos com capacidade política.

Pela frente, a ex-ministra da Agricultur­a tem uma série de trabalhos que não se revelam tarefa fácil. Desde logo, terá necessaria­mente de sair da sombra do criador. Não há liderança política que se possa afirmar se sob ela pairar sempre a figura tutelar, ou mesma a ameaça de regresso do antigo ocupante do cargo. O facto de ser mulher, a sua atitude mais afável mas simultanea­mente decidida poderão ajudar neste propósito.

Simultanea­mente, a centrista tem de se preparar para a prova de vida de um partido que, neste momento, se desconhece quanto vale. Para isso, necessita de se afastar definitiva­mente do aliado de ontem, o PSD, e conquistar para o CDS-PP uma autonomia estratégic­a e uma agenda própria que perdeu, que se diluiu, durante o Governo de Passos Coelho e na coligação PàF.

Paulo Portas foi “queimando” uma a uma as causas naturais para um partido como o CDS -PP, e o encostar do PSD à Direita retirou-lhe ainda mais espaço vital. Nuno Melo poderia, a curto prazo, ser uma melhor proposta para cavalgar algum do populismo com contornos conservado­res que está bem vivo na sociedade portuguesa. Assunção Cristas, mais cerebral, mais cuidada na abordagem, poderá representa­r uma solução mais duradoura para um partido que nasceu para corporizar os valores da democracia-cristã, mas que hoje não se percebe muito bem em que local da Direita está.

Para isso, Cristas necessita do que, paradoxalm­ente, condenou Paulo Portas à saída: que o Governo do PS se aguente o tempo suficiente para ela se revelar pelo contraste.

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