O tempo de Cristas
Aí está: “o partido do homem só” perdeu o homem e ganhou uma mulher. Paulo Portas, o mais resiliente político português, teve a sageza, que nunca lhe faltou, de perceber que este já não era o seu tempo político como líder do CDS-PP. A ressaca das eleições de 4 de outubro seria sempre muito mais dolorosa de digerir por um dos protagonistas do Executivo anterior, ainda mais marcado pelo episódio da “demissão irrevogável”.
Com a saída de Portas, sobe Assunção Cristas, que um dia o ex-líder do CDS-PP descobriu na plateia do programa televisivo “Prós e Contras” a defender o “não” à despenalização do aborto e que se transformou num dos principais quadros de um partido que foi mesmo de “um homem só”, mas bem acompanhado. A ascensão de Cristas, militante desde 2007, é a prova final dessa habilidade de Portas em escolher elementos com capacidade política.
Pela frente, a ex-ministra da Agricultura tem uma série de trabalhos que não se revelam tarefa fácil. Desde logo, terá necessariamente de sair da sombra do criador. Não há liderança política que se possa afirmar se sob ela pairar sempre a figura tutelar, ou mesma a ameaça de regresso do antigo ocupante do cargo. O facto de ser mulher, a sua atitude mais afável mas simultaneamente decidida poderão ajudar neste propósito.
Simultaneamente, a centrista tem de se preparar para a prova de vida de um partido que, neste momento, se desconhece quanto vale. Para isso, necessita de se afastar definitivamente do aliado de ontem, o PSD, e conquistar para o CDS-PP uma autonomia estratégica e uma agenda própria que perdeu, que se diluiu, durante o Governo de Passos Coelho e na coligação PàF.
Paulo Portas foi “queimando” uma a uma as causas naturais para um partido como o CDS -PP, e o encostar do PSD à Direita retirou-lhe ainda mais espaço vital. Nuno Melo poderia, a curto prazo, ser uma melhor proposta para cavalgar algum do populismo com contornos conservadores que está bem vivo na sociedade portuguesa. Assunção Cristas, mais cerebral, mais cuidada na abordagem, poderá representar uma solução mais duradoura para um partido que nasceu para corporizar os valores da democracia-cristã, mas que hoje não se percebe muito bem em que local da Direita está.
Para isso, Cristas necessita do que, paradoxalmente, condenou Paulo Portas à saída: que o Governo do PS se aguente o tempo suficiente para ela se revelar pelo contraste.