Metade dos portugueses recorre à Internet para fazer diagnóstico médico
São poucos os sites com informação credível
Metade dos portugueses (49%) utiliza a Internet para fazer o seu diagnóstico médico, de acordo com dados do Eurostat. O recurso ao “dr. Google” não é, porém, isento de riscos, já que pode facilmente induzir diagnósticos errados e conduzir a comportamentos e tratamentos desadequados.
No apartamento lisboeta partilhado por três amigos, logo que um deles comunicou que contraiu hepatite A, a prioridade foi consultar o “dr. Google” para saber se reuniam os sintomas. Descoberta: tinham fadiga e cumpriam quase todos os pressupostos listados na primeira página encontrada na pesquisa. Quem nunca foi à Internet procurar o significado de um sintoma – uma dor de barriga, um sinal no braço – que atire a primeira pedra. Segundo dados recolhidos pelo Eurostat, Portugal e Espanha registam igual percentagem e estão um ponto acima da média dos 27 países (48%). Os países que assumem a dianteira são Luxemburgo e Dinamarca (71% e 65%). Bulgária parece ser o menos acostumado à nova tendência (24%).
Em Portugal, mais do que triplicou o recurso à Internet para avaliar o estado de saúde nos últimos dez anos e não há sinais de reversão desta tendência. Só não é maior porque a população com pouco mais do que a quarta classe não domina o meio, dizem os médicos.
Um aliado ou uma armadilha?
Os portais e os sites oferecem hoje um manancial de informação irresistível, reconhecem os especialistas. Podem ser um aliado, mas facilmente se convertem numa armadilha. “O problema é que nem toda a informação é válida”, explica o bastonário da Ordem dos Mé- dicos, Miguel Guimarães. “Existem os bons sites e os outros, que têm apenas intuitos comerciais, que querem vender medicamentos”, diz. “Depois, há sites completamente desatualizados, informação que não é rigorosa, de que não se conhece o responsável”.
“O grande problema da Internet é que apresenta tudo no mesmo saco: a informação fidedigna e a outra”, sustenta. Para os ansiosos de tendência pessimista, a resposta descamba no sentido negativo e quase sempre na doença oncológi- ca, diz o bastonário. “Na grande parte dos casos, têm um sintoma isolado, que qualquer um pode ter, e aquele sintoma não significa nada de especial”, diz. O que acontece é que vão atrás de um sinal e perdem-se na espiral de dados. Os hipocondríacos, então, encontram na net um alimento inesgotável.
Isto acontece também devido às falhas na oferta. Miguel Guimarães reconhece que existe uma lacuna em Portugal na oferta de conteúdos na área da saúde. As exceções são as páginas das sociedades (especialidades) e um projeto ou outro, como o “Onco+”. Por isso, a Ordem prepara a inclusão de elementos sobre doenças na renovação do seu site. De qualquer modo, defende o bastonário, nenhum site poderá substituir a supervisão médica, atenta ao historial do doente e à interpretação dos exames.
A erupção da Internet nas nos- sas vidas veio exigir também mais aos médicos. “Quando chegam ao consultório, os doentes já foram ler ao site, e depois dá trabalho desmontar as ideias feitas que trazem”, explica o gastroenterologista Hermano Gouveia. “Dores abdominais mais diarreia é igual a doença de Crohn ou cancro. Deduzem logo. Quando a medicina tem essa coisa fantástica: cada caso é um caso e é preciso entendê-lo”. Há que acalmar as dúvidas e controlar a desconfiança que transparece em questões como “não podia ter antes tomado aquilo?”.
Cada vez mais, é crucial conhecer bem o doente para despistar o valor das queixas, o que dificilmente se consegue fazer, complementa, em poucos minutos de consulta: “20% das queixas são alterações funcionais. Mas o certo é que as pessoas sofrem com o que imaginam, até chegar ao médico”.