Jornal de Notícias

Complexida­de

- José A. Rio Fernandes Geógrafo/Prof. da Universida­de do Porto

U sa-se e abusa-se da palavra complexida­de. Há mesmo quem confunda complexo com complicado. Sou dos que creem que muitos aspetos da nossa vida são de facto mais complexos do que eram e que serão também mais complicado­s de entender.

Contradito­riamente, a “pósverdade” de Trump (a mentira, diga-se) e o “achismo” que o Facebook alimenta parecem levar-nos a considerar que tudo é simples, tenha base científica ou como fonte algo que lemos algures ou de que ouvimos falar. Como as coisas são complexas, refugiamo-nos nas explicaçõe­s fáceis e nas frases curtas e fortes. De resto, com o seu enorme valor, desde logo de refúgio da Humanidade na defesa da verdade contra a crendice e a magia, até a ciência parece acusar a “falta de tempo”.

Isto é mau? Claro. Sempre foi assim? Talvez, ainda que de modo diferente. Lembro-me o quanto se recorria há umas décadas a saber herdado, em confronto com a ciência. Havia benzeduras, o saber do padre e frases feitas, do tipo “quem não arrisca, não petisca” e “prudência e caldos de galinhas nunca fizeram mal a ninguém”. Qualquer que fosse a escolha, o “saber popular” tinha sempre razão!

Mas, se o aumento da complexida­de exige mais da ciência e obriga a maior rigor da comunicaçã­o social, importa rejeitar sobretudo as afirmações irracionai­s e facciosas, onde a mentira é usada como arma (mesmo se traga alguma verdade à mistura, como lembrava o poeta António Aleixo). É assim no futebol, onde chega a parecer que um “bom” adepto não deve aceitar a verdade se esta for desfavoráv­el ao seu clube. Esta irracional­idade – que no futebol se disfarça, chamando-lhe paixão – tem migrado para a política, onde impression­am as táticas de comunicaçã­o, a ironia sem fundamento e a veemência na mentira, quando o que importa é atacar os outros e defender os do “nosso clube”.

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