Jornal de Notícias

Armas de quatro patas

- Rafael Barbosa Editor executivo

Édifícil obter, em Portugal, uma licença de uso e porte de arma. Há que apresentar o registo criminal, ser aprovado num curso de formação, arranjar um atestado médico que certifique a sanidade mental do candidato e apresentar motivos atendíveis que justifique­m o direito a ter uma arma. Cumprida toda esta via-sacra, é a PSP quem tem o poder de decisão. E, a julgar pelas notícias, o mais provável é que o pedido seja rejeitado. Não pode ter uma arma quem quer. Mas isto só é válido para as armas de fogo e para armas brancas. Há um outro tipo de arma letal bastante fácil de obter e usar: um cão de raça potencialm­ente perigosa. Basta um registo na Junta de Freguesia e qualquer indivíduo cadastrado, violento ou desequilib­rado (incluindo quem acumule estas três qualidades) terá acesso (e usará) estas armas de quatro patas.

É certo que alguns “amigos” dos animais vão considerar esta comparação abusiva. Ninguém os convencerá de que um cão possa não ser o melhor amigo do homem. Nem mesmo no rescaldo de um ataque de um rottweiler a uma criança de quatro anos. Que não, que a culpa não é daquele animal amoroso, que a culpa é sempre do dono. Aliás, basta uma rápida vista de olhos pelos sites online que promovem o mastim alemão para ser inundado com as suas qualidades. Vá ao Google, escreva rottweiler e comprove: em destaque, estão os adjetivos dedicado, seguro de si mesmo, calmo, obediente, alerta, firme, destemido, boa natureza, corajoso e confiante. Numa das páginas destes amigos do rottweiler poderá até ver uma foto dos anos 30, na Alemanha, com uma criancinha loira e sorridente encavalita­da em cima de um dócil rottweiler.

Curiosamen­te, há outros factos que não têm o mesmo destaque. Desde logo, que esta raça (como outras do mesmo calibre) resulta de sucessivas manipulaçõ­es, com o único objetivo de a tornar mais poderosa. É particular­mente apreciada a mandíbula com que abocanha de forma eficaz as suas vítimas. Acresce que o rottweiler esteve praticamen­te extinto, quando a sua função, conduzir o gado ao longo da Alemanha, se tornou anacrónica e foi substituíd­o pelos vagões dos caminhos de ferro. Um fim evitado pela Polícia alemã, que, no princípio do século XX, se apercebeu do seu potencial como arma para impor a ordem pública.

No Portugal do século XXI, continua a ser uma arma, mas de livre acesso. Trelas e açaimes nada resolvem. Da mesma forma que o potencial de morte de uma arma de fogo não desaparece por estar dentro de um coldre e com o fecho de segurança acionado. Como os instintos violentos, falta de civismo e de decência não se erradicam por decreto, a única opção é proibir o uso e posse destas armas de quatro patas. Estão à espera de quê? Que morra (mais) uma criança?

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