Médicos recusam passar atestados a condutores
Clínicos queixam-se de excesso de burocracia Ordem admite apelar ao boicote Documento é obrigatório para renovar a carta
Os médicos estão a comunicar aos centros de saúde a sua recusa em emitir o atestado eletrónico necessário para revalidar a carta de condução. A falta de tempo para preencher o formulário e dos equipamentos necessários para fazer os exames estão entre as razões invocadas. A situação está a tornar-se insustentável, diz o bastonário da Ordem dos Médicos.
Miguel Guimarães acusa o Ministério da Saúde de quebrar compromissos assumidos e admite, até, apelar ao boicote generalizado aos atestados se não for cumprido o último prazo dado por Campos Fernandes: o Conselho de Ministros de dia 27. “Se a partir do dia 28 não ficar definida a legislação dos centros e o processo não andar para a frente, temos de adotar essa forma de luta, é legítimo”, disse. Guimarães referia-se à promessa de criar Centros de Atendimento Médico e Psicológico, os CAMP, que poupariam aos médicos de família esta tarefa.
A recusa da parte de médicos implica que há utentes a marcar consultas, mas sem conseguir o atestado. O JN perguntou ao Instituto da Mobilidade e Transportes quantas cartas foram revalidadas, desde 15 de maio (quando a obrigação entrou em vigor) em comparação com a mesma altura de 2016, mas a mudança da lei impede comparações (ler pormenores).
Hugo Cadavez, do Sindicato Independente dos Médicos, sabe de pelo menos dez centros de saúde, só no Norte, cujos médicos se recusam a emitir o documento. “A lei obriga a que seja passado por um médico, mas não obriga o médico a passar o atestado”, salienta.
Também o bastonário sabe de vários casos e referiu um inquéri- to, da secção do Centro da Ordem, segundo o qual 96% dos médicos de família dizem não ter meios para emitir atestados e 73,4% reportam erros informáticos em um quarto dos documentos emitidos.
Os médicos dizem que o tempo que lhes é dado para cada consulta não chega para analisar os dados e preenchê-los em computador. Fazê-lo seria atrasar ou apressar as consultas de outros pacientes, lê-se numa carta escrita por médicos de um centro de saúde, a que o JN teve acesso.
Asseguram, ainda, que não dispõem dos aparelhos necessários para realizar os exames, obrigando o condutor a consultar várias especialidades hospitalares e a deslocar-se múltiplas vezes, o que torna “impossível em tempo útil a emissão do atestado”. Hugo Canavezes adiantou que, consoante o historial clínico, podem ser precisos relatórios de especialidades como oftalmologia, psiquiatria, cardiologia ou endocrinologia, algumas com longas listas de espera nos hospitais.
O JN perguntou ao Ministério da Saúde quando é que os CAMP entrarão em funcionamento e que alternativas sugere aos utentes que precisem de revalidar a carta e cujos centros de saúde não passem os atestados eletrónicos, mas não teve resposta. Miguel Guimarães ironizou: “Que os peçam à porta do Ministério”.