FOGO LEVOU O TRABALHO DE UM ANO INTEIRO NO DOURO
Reportagem População de Murça do Douro temeu repetição da tragédia de Pedrógão. Maiores prejuízos do fogo na vinha e no olival
Artur ficou sem a vinha e o olival
Artur Gonçalves ainda não tinha arranjado coragem para ir ver de perto como tinha ficado a Ferradosa. Sim, de perto, porque de longe, desde a casa onde vive, em Murça, Vila Nova de Foz Côa, já a tinha visto arder na segunda-feira. E ontem, quando na sua carrinha de tração às quatro rodas nos levou lá, para o meio do que restava das videiras e das oliveiras, não conseguiu segurar as lágrimas. “Anda aqui um homem a lutar todo o ano para depois vir o fogo e levar tudo”. Cem oliveiras ardidas estão já contadas. O resto é vinha que dava três pipas de vinho generoso (550 litros cada), mas ainda não contabilizou a dimensão de todos os estragos.
Em 78 anos de “homem no Mundo” nunca tinha assistido a um incêndio que amedrontasse tanto o povo e tanto prejuízo causasse. “Se não fossem os bombei- ros a aldeia tinha ardido toda”, recorda.
Na verdade, Murça do Douro fica numa cova. Tudo à volta ardeu, porque os meios de combate foram insuficientes e a preocupação recaiu em salvar bens e pessoas (ver texto na página seguinte). Mesmo assim, de três casas devolutas só sobraram as paredes. Uma delas tinha sido adquirida para continuar o projeto de alojamento turístico do Bairro do Casal. Andreia Caetano, natural do Porto, trabalha lá há cinco anos. Nem tem palavras para explicar a aflição. “Só me passou pela cabeça que ia acontecer como em Pedrógrão Grande”.
Pensamento semelhante teve Maria Ilda Piçarra, 72 anos, que vive no fundo do povo, mesmo ao lado do ribeiro que “por esta altura ainda devia correr, mas há muito está seco”, diz o marido Sotero Saraiva, 71 anos.
Na segunda-feira passada viram-se numa “aflição grande, como nunca houve”, quando vi-
ram o lume atravessar o ribeiro e avançar para a sua habitação. “Foi cada um com sua mangueira deitar água. Depois chegaram os bombeiros com as deles e conseguiu-se segurá-lo”. Mas à volta continuava tudo a arder. “Estávamos a ver que íamos morrer todos queimados. Nem nos víamos com tanto fumo”, lembra ele. “Depois de ver o que se passou em Pedrógão era impossível não ter medo”, recorda ela. Alguns idosos foram retirados das suas casas e levados para Freixo de Numão para estarem em segurança.
O fogo ainda avançou para a povoação vizinha de Seixas, onde Francisco Costa lamentou ter perdido um olival, vinha e amendoal. Mas a maior pena que tem é de “um zimbral que estava um encanto, quase um hectare”, lembrando que “o zimbro é uma árvore protegida”. Tanto gostava dele que quase tem “mais pena dos zimbros do que do resto”.
Com a força que o vento deu ao fogo, tanto em Foz Côa, como em Alijó, Moncorvo, Mangualde ou na Guarda, nada estava no campo a salvo. Como não estiveram as cerca de quatro mil videiras da Quin- ta do Chão da Portela, propriedade da Sociedade Agrícola da Quinta de Santa Eugénia, no concelho de Ali- jó. O enólogo e responsável pela parte agrícola, Rui Varela, fala de “um grande prejuízo”, pois estarão em causa umas “20 pipas de vinho, algumas delas de vinho do Porto”.
No Chão da Portela, onde nos levou o adegueiro António Gaspar, 30% a 40% da vinha ardeu ou ficou de tal forma chamuscada que dificilmente voltará a dar uvas. Ele que gosta de fotografar as vinhas du- rante o ano “perdeu a coragem” quando, depois de apagado o fogo, foi ver como tinham ficado. Rui Va- rela junta ao prejuízo cerca de 300 oliveiras noutra zona da freguesia, cuja maior parte da área habitada, admite, “ficou resguarda do fogo por causa das vinhas à volta, senão teria sido bem pior”.
moradora em Murça do Douro
emigrante de Santa Eugénia Ficamos sem nada, infelizmente. Foram videiras, oliveiras, ardeu tudo” Vim ver as oliveiras e está tudo um caos. Este ano não temos azeite”
Jorgete Soares
Afonso Henrique