Da soneca ao veganismo, os roteiros criados por alunos da Soares dos Reis
Provas de aptidão artística dos alunos do 12.º ano da Escola Soares dos Reis já suscitaram o interesse de algumas entidades. Professoras asseguram que se abriram portas a parcerias
Uma a uma, abriram as caixinhas dos seus trabalhos como quem desvenda tesouros. As provas de aptidão artística que, anualmente, alunos do 12.º ano da Escola Artística Soares dos Reis, no Porto, têm de apresentar são, nesta etapa da vida, o coroar da criatividade destes sonhadores. Se passam, concluem o Ensino Secundário. Caso contrário, ficam em maus lençóis.
Felizmente para a maioria, o tempo que passam à volta dos projetos acaba por valer a pena. Este ano, pela segunda vez, foram desafiados a envolver-se com a cidade onde estudam, criando roteiros para o Porto. Tem de ser tudo feito por eles, de acordo com os seus interesses, que vão das sonecas às camélias, do veganismo aos mistérios da cidade. O resultado são mapas alternativos que dão ao Porto outra magia.
Dos mais de 40 trabalhos, Catarina Mendes e Daniela Marqueiro, duas das professoras da disciplina de Projeto e Tecnologia, do curso de Design e Comunicação (da especialização de Design Gráfico), escolheram cinco para apresentar ao JN. Muitos, “dos bons”, tiveram de permanecer anónimos. Mas pode não ser por muito tempo. Sem revelar pormenores, as docentes garantem que houve interessados nos roteiros, abrindo portas a futuras parcerias com os alunos e a Soares dos Reis. Para que estas não sejam boas ideias que acabem fechadas em caixas.
Margarida Silva “CHILLAR” COM ARTE DE UMA MANEIRA SAUDÁVEL
O estilo de vida de Margarida Silva, muito relaxado, foi fundamental para a ajudar a desenvolver o seu roteiro. O ”Chill Porto” foi pensado para os amantes do veganismo e do vegetarianismo, e, ao mesmo tempo, para aqueles que sentem curiosidade em descobrir mais sobre arte. Para isso, fez um mapa com locais para quem quer experimentar comida alternativa e ver arte. Imprimiu tudo em desperdícios de papel, na oficina da escola. E até concebeu bolsas de tecido a condizer. Os primeiros servem de guia para os mais curiosos. Os segundos vão dar jeito para transportar legumes e frutas. O objetivo era claro. No final do trabalho, a que juntou um creme hidratante, feito por ela, a aluna não podia estar mais satisfeita. Ficou com um 18 na pauta, mas, acima de tudo, conseguiu criar um roteiro que “poderia dar a um amigo”, para que ele descobrisse instituições sem fins lucrativos “que juntem a arte a um estilo de vida mais saudável”.
Ana Isabel Teixeira DESCOBRIR UM PORTO QUE PARECE INVISÍVEL AOS OLHOS
O “Porto sobre o Porto” é uma espécie de caça ao tesouro. Para o desenhar, Ana Isabel Teixeira recorreu aos conhecimentos de um dos melhores . Germano Silva, jornalista, historiador do Porto e cronista do JN ficou feliz por ajudar. E assim nasceu um roteiro que desvenda histórias recheadas de pormenores, escondidos nos recantos da cidade. Como uma arroba (@) gravada numa pedra do século XVIII, ou seja, antes da Internet. A escolha dos materiais do trabalho não foi deixada ao acaso. Mistura o tradicional com o contemporâneo. Terminando num projeto que, de facto, é muito completo e bonito. Com mérito, teve um
Trabalhos foram defendidos perante um júri independente e deram boas notas
20. Ana Isabel está feliz e aliviada. “Olhar para o projeto dá-me ‘flashbacks’ da guerra”, brinca. “Deu muito trabalho, mas aprendemos mais sobre o Porto e também sobre nós”, confessa.
Laura Anahory FAZER UMA SESTA NO CAFÉ, NO METRO OU NA BIBLIOTECA
“Need a nap? Take this map” (Precisa de uma soneca? Leve este mapa). O roteiro de Laura tem tudo a ver com ela. A estudante conta que tem o “mau hábito de adormecer nas aulas e em qualquer cantinho que seja confortável o suficiente”. Claro que as aulas não foram exceção. O seu tema foi por isso uma forma de juntar o útil ao agradável. Jardins, cafés, bibliotecas e, até os transportes públicos, como o metro, são alguns dos espaços eleitos para o seu roteiro. Que teve em conta os diferentes ambientes que as pessoas valorizam para adormecer. “Há quem precise de silêncio absoluto”. Depois, há os que gostam “de som ambiente”. E há ainda os que aproveitem o tempo que gastam nos transportes públicos para ganhar horas de descanso. Tudo pensado para “a vida desgastante dos estudantes e dos trabalhadores”. Inclui uma almofada e uma venda. Ao ouvi-la, as colegas desatam à gargalhada. “Nunca consigo falar do meu tema sem ter pessoas a rir-se à minha volta”, conta, divertida. “Mas foi exatamente por ter esse caráter cómico e intelectual que me deu gozo”, afirma.
Telma Ferreira USAR OS CINCO SENTIDOS PARA USUFRUIR MELHOR DA CIDADE
Telma é daquelas pessoas que se deixam inquietar pelos pormenores. Repara em tudo. Absorve tudo. Usando os cinco sentidos. E quis que os outros experimentassem o mesmo. O roteiro dela são brochuras independentes que nos guiam pela cidade através do tato, do olfato, da visão, da audição e do paladar. E assim se explica o “Porto Sentido”. Para ajudar, fez uma almofada-manta. “Vai ajudar a tirar mais partido dos locais”. E acrescentou ainda um creme, um CD, uma caixa de música, um ambientador e um chocolate. “Ups...”, o chocolate já lá não está. “Tirei muito partido deste trabalho, porque, além de conhecer melhor o Porto, conheço os meus limites físicos”, refere.
Yuliya Liberda DESCOBRIR AS CAMÉLIAS, TODO O ANO, EM TODO O LADO
O interesse de Yuliya pelas camélias foi desabrochando como uma flor. Quanto mais lia e ouvia, mais queria saber sobre a flor que tanto caracteriza o Porto. A curiosidade chegou ao ponto de as professoras lhe terem de pôr um travão. “Não vais fazer um doutoramento”. A estudante, amante da natureza, encarou a prova de aptidão como quem se entrega a um dia de primavera. E assim nasceu o “Camélia no Porto”. A aluna explica porque acha que a cidade precisava de um trabalho como o que desenvolveu. “Todos os anos, a cidade recebe a Semana das Camélias. Esse evento tem evoluído ao longo dos anos, mas ainda não tem o destaque que devia”. Então, decidiu fazer um roteiro que pudesse “completar essa semana” e que, ao mesmo tempo, “fosse autónomo”. Assim, quem não pudesse ir tinha a oportunidade de “explorar a história por si próprio”. Dos 26 locais na cidade, onde a camélia é predominante, Yuliya destacou oito, como o Jardim Botânico e o Soares dos Reis. A acompanhar, está toda a informação necessária: horários de visita, contactos, como chegar, etc. O pack incluiu uma surpresa: um pacote com sementes. “Se uma pessoa gosta, em princípio, quererá plantar em sua casa”. Um trabalho exaustivo, que lhe deu a nota máxima.