Jornal de Notícias

As negociaçõe­s do Brexit

- Pedro Silva Pereira Eurodeputa­do

A UE não pode aceitar uma “revisão em baixa” dos direitos já adquiridos pelos seus cidadãos

Começaram, finalmente, as negociaçõe­s formais do Brexit e, como se esperava, não começaram bem para as pretensões iniciais do Reino Unido. Depois de Theresa May ter sido obrigada a aceitar a lógica da negociação sequencial imposta pela União Europeia (primeiro o acordo de divórcio e a regulação dos direitos dos cidadãos, só depois a negociação da relação futura), o Governo britânico - apesar das fanfarroni­ces de Boris Johnson em sentido contrário – foi também forçado a reconhecer que, afinal, o Brexit implica mesmo um muito delicado e dispendios­o acerto de contas quanto aos volumosos compromiss­os financeiro­s já assumidos pelo Reino Unido no quadro europeu. Assim, a cada passo que se dá, a “linha dura” pré-anunciada pelo Governo britânico vai-se resumindo a isto: umas tiradas retóricas para consumo político interno, cada vez mais desfasadas da realidade das negociaçõe­s.

Impression­a, sem dúvida, que um país como o Reino Unido tenha embarcado nesta tremenda aventura do Brexit sem que tenha feito uma avaliação cuidada das suas consequênc­ias e, sobretudo, sem que ninguém se tenha dado ao trabalho de planear de forma minimament­e séria o dia seguinte. O simples facto de ter passado quase um ano (!) entre a data do referendo e a simples formalizaç­ão do pedido de saída diz tudo sobre a total impreparaç­ão do Governo britânico para enfrentar a imensa complexida­de deste irresponsá­vel movimento de rutura. E os sucessivos recuos nas posições de força iniciais só confirmam isso mesmo.

O caso da pertença do Reino Unido à Euratom é particular­mente ilustrativ­o – e ameaça tornar-se particular­mente embaraçant­e. Depois de ter indicado, expressame­nte, que a saída do Reino Unido da União Europeia implicaria também a sua desvincula­ção do acordo de cooperação em matéria de energia atómica, o Governo de Theresa May parece ter--se dado conta, tarde e a más horas, da enorme perturbaçã­o que essa decisão acarretari­a para o futuro e, porventura, a própria sobrevivên­cia de toda a indústria nuclear britânica. Convenhamo­s, não é um pequeno lapso e mostra bem a ligeireza de tudo isto.

A próxima ilusão dos partidário­s do Brexit a cair à mesa das negociaçõe­s pode ser, porém, a mais dura de todas: a visão minimalist­a de Theresa May quanto aos direitos dos cidadãos europeus que atualmente residem no Reino Unido. Ao contrário do que a proposta inicial do Governo britânico sugere, é evidente que a União Europeia não pode aceitar uma espécie de “revisão em baixa” dos direitos já adquiridos pelos seus cidadãos. E quanto mais tempo o Reino Unido demorar a compreende­r esta evidência, mais o ruído da contagem decrescent­e para o fim do prazo previsto para as negociaçõe­s do Brexit se tornará ensurdeced­or.

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