Os donos do casino
D ecretar o fim do ano político é sempre um exercício de aparente hibernação para as férias. Mas os rituais servem para criar zonas de conforto. Fazer de conta que passamos para uma nova fase. É o brinde de champanhe ao Ano Novo. Olhemos para trás. Nos números da economia. Na perceção do correr dos dias. Na casa da democracia. Vivemos melhor, o desemprego baixa, somos elogiados, o turismo enche as nossas casas, gastamos outra vez, não sabendo ainda no todo se estamos a gastar de mais, ou de menos no particular.
E respiramos um ano político sem exemplo nas últimas três décadas. Acentuou-se a vertente parlamentar da nossa democracia, que suporta o Governo, e a vertente semipresidencialista do regime, com o presidente da República, do qual aqui se escreveu faz tempo, era ainda o presidente-professor-comentador apenas professor-comentador, ser o croupier do casino, situe-se o leitor outra vez, com o presidente da República a tornar-se lentamente no dono do casino. Sem ofensa.
Comecemos pelo presidente. Ganhou e perdeu. Na reforma da floresta e nos apelos aos consensos e à descentralização. Respetivamente. Precipitou-se e foi cauteloso. Na aeronave que caiu em Tires. Nas primeiras horas da tragédia de Pedrógão Grande. Mas já começa, lentamente, muito lentamente, a deixar que a história se cumpra e que seja o cargo a fazer o presidente e não o presidente a fazer o cargo. Se é que tal é possível no caso dele. Sendo que a marca do homem é sempre única e irrevogável. Mas a tolerância ao açúcar tem limites. Mesmo quando gostamos muito.
Siga-se para o Parlamento. Passado o inebriamento do poder, do afastamento da Direita, a duplicidade de PCP e Bloco começa a esboroar-se. Está-lhes na massa genética de que são feitos. E nem a lealdade institucional dos comunistas permitirá alimentar a bipolaridade por muito mais tempo.
Olhe-se para a frente. Para o PS. Com a perceção instalada nas últimas semanas de um partido e de um Governo vulneráveis e incapazes de fazer mais.
É ao PS que cabe ser o contorcionista da história que se vai fazer. O movimento de cintura. O saber ir dando com parcimónia o suficiente para manter os seus parceiros de Parlamento como sustentáculos do Governo. Não é fácil. É um jogo de sorte, assente na pujança da economia. No fim de contas, assente no dinheiro que os portugueses têm na carteira. Mas com tudo isto ficam as grandes reformas do Estado por fazer. Não aquelas de folha e meia dos idos de Paulo Portas. As verdadeiras reformas, na Segurança Social, na Defesa, na Saúde. E essas reclamam grandes consensos. Os tais dos apelos do presidente. Com o PSD. Outro PSD. Porque este joga um jogo arriscado de vida ou de morte.