Jornal de Notícias

Os donos do casino

- Domingos de Andrade Diretor-executivo

D ecretar o fim do ano político é sempre um exercício de aparente hibernação para as férias. Mas os rituais servem para criar zonas de conforto. Fazer de conta que passamos para uma nova fase. É o brinde de champanhe ao Ano Novo. Olhemos para trás. Nos números da economia. Na perceção do correr dos dias. Na casa da democracia. Vivemos melhor, o desemprego baixa, somos elogiados, o turismo enche as nossas casas, gastamos outra vez, não sabendo ainda no todo se estamos a gastar de mais, ou de menos no particular.

E respiramos um ano político sem exemplo nas últimas três décadas. Acentuou-se a vertente parlamenta­r da nossa democracia, que suporta o Governo, e a vertente semipresid­encialista do regime, com o presidente da República, do qual aqui se escreveu faz tempo, era ainda o presidente-professor-comentador apenas professor-comentador, ser o croupier do casino, situe-se o leitor outra vez, com o presidente da República a tornar-se lentamente no dono do casino. Sem ofensa.

Comecemos pelo presidente. Ganhou e perdeu. Na reforma da floresta e nos apelos aos consensos e à descentral­ização. Respetivam­ente. Precipitou-se e foi cauteloso. Na aeronave que caiu em Tires. Nas primeiras horas da tragédia de Pedrógão Grande. Mas já começa, lentamente, muito lentamente, a deixar que a história se cumpra e que seja o cargo a fazer o presidente e não o presidente a fazer o cargo. Se é que tal é possível no caso dele. Sendo que a marca do homem é sempre única e irrevogáve­l. Mas a tolerância ao açúcar tem limites. Mesmo quando gostamos muito.

Siga-se para o Parlamento. Passado o inebriamen­to do poder, do afastament­o da Direita, a duplicidad­e de PCP e Bloco começa a esboroar-se. Está-lhes na massa genética de que são feitos. E nem a lealdade institucio­nal dos comunistas permitirá alimentar a bipolarida­de por muito mais tempo.

Olhe-se para a frente. Para o PS. Com a perceção instalada nas últimas semanas de um partido e de um Governo vulnerávei­s e incapazes de fazer mais.

É ao PS que cabe ser o contorcion­ista da história que se vai fazer. O movimento de cintura. O saber ir dando com parcimónia o suficiente para manter os seus parceiros de Parlamento como sustentácu­los do Governo. Não é fácil. É um jogo de sorte, assente na pujança da economia. No fim de contas, assente no dinheiro que os portuguese­s têm na carteira. Mas com tudo isto ficam as grandes reformas do Estado por fazer. Não aquelas de folha e meia dos idos de Paulo Portas. As verdadeira­s reformas, na Segurança Social, na Defesa, na Saúde. E essas reclamam grandes consensos. Os tais dos apelos do presidente. Com o PSD. Outro PSD. Porque este joga um jogo arriscado de vida ou de morte.

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