Olhe que não, sr. engenheiro, olhe que não…
A realidade tem uma capacidade extraordinária de contrariar as maiores ficções. Neste caso, a ficção é de que existem uns engenheiros tão extraordinários, de uns anos especiais, de umas escolas específicas, que são capazes de fazer engenharia como os engenheiros, arqui- tetura como os arquitetos e que têm por isso direitos adquiridos inquestionáveis. Os arquitetos, primeiro, o Parlamento depois, e os restantes engenheiros, não tão especiais, certamente filhos de um Deus menor, vão encarregar-se de lhes mostrar o contrário.
Esta semana, com o PSD e o PAN a reboque, este grupo de engenheiros conseguiu que fossem votados no Parlamento três diplomas que ofendem a democracia, a arquitetura e a engenharia. Três diplomas que baixam agora à comissão com o ónus de não agradarem a ninguém, nem sequer a quem os propôs. Porque na verdade todos entendem que fazer arquitetura não é um direito que assista a estes engenheiros, que nem para tal têm formação.
Fazer bons projetos de engenharia sim, é um direito que lhes assiste. Projetos de estruturas, de redes, de barragens, de vias, de pontes e viadutos, como a fabulosa Ponte da Arrábida do eng. Edgar Cardoso. Aliás, seria importante refletir sobre o porquê da engenharia civil portuguesa ter deixado de ser a referência mundial que foi no século passado, precisamente quando os engenheiros se dedicaram a fazer (má) arquitetura.
Esta vergonhosa atuação do Parlamento, viabilizando pela abstenção uma proposta “sem pés nem cabeça”, que nem o PSD que a propôs soube defender, teve apenas uma consequência; abrir a caixa de Pandora da desregulação profissional, tal como os arquitetos avisaram. E para já, os primeiros lesados são os engenheiros, principalmente os outros, não tão espetaculares como estes, mas que acabam de perder grande parte do trabalho na direção e fiscalização de obra para outros profissionais, muitos deles sem qualificações adequados.
O caminho não é por aí, sabemos nós arquitetos. Cada “macaco no seu galho” a desempenhar as funções para as quais se qualificou, esse sim, é o caminho certo. Esta cruzada destes engenheiros que se acham especiais, liderados pelo bastonário Mineiro Aires, contra os arquitetos, só podia dar nisto; descredibilizar a profissão de engenheiro (e por arrasto a de arquiteto). É caso para dizer “com amigos assim, ninguém precisa de inimigos”.