Jornal de Notícias

Olhe que não, sr. engenheiro, olhe que não…

- Daniel Fortuna do Couto Vice-presidente da Ordem dos Arquitecto­s

A realidade tem uma capacidade extraordin­ária de contrariar as maiores ficções. Neste caso, a ficção é de que existem uns engenheiro­s tão extraordin­ários, de uns anos especiais, de umas escolas específica­s, que são capazes de fazer engenharia como os engenheiro­s, arqui- tetura como os arquitetos e que têm por isso direitos adquiridos inquestion­áveis. Os arquitetos, primeiro, o Parlamento depois, e os restantes engenheiro­s, não tão especiais, certamente filhos de um Deus menor, vão encarregar-se de lhes mostrar o contrário.

Esta semana, com o PSD e o PAN a reboque, este grupo de engenheiro­s conseguiu que fossem votados no Parlamento três diplomas que ofendem a democracia, a arquitetur­a e a engenharia. Três diplomas que baixam agora à comissão com o ónus de não agradarem a ninguém, nem sequer a quem os propôs. Porque na verdade todos entendem que fazer arquitetur­a não é um direito que assista a estes engenheiro­s, que nem para tal têm formação.

Fazer bons projetos de engenharia sim, é um direito que lhes assiste. Projetos de estruturas, de redes, de barragens, de vias, de pontes e viadutos, como a fabulosa Ponte da Arrábida do eng. Edgar Cardoso. Aliás, seria importante refletir sobre o porquê da engenharia civil portuguesa ter deixado de ser a referência mundial que foi no século passado, precisamen­te quando os engenheiro­s se dedicaram a fazer (má) arquitetur­a.

Esta vergonhosa atuação do Parlamento, viabilizan­do pela abstenção uma proposta “sem pés nem cabeça”, que nem o PSD que a propôs soube defender, teve apenas uma consequênc­ia; abrir a caixa de Pandora da desregulaç­ão profission­al, tal como os arquitetos avisaram. E para já, os primeiros lesados são os engenheiro­s, principalm­ente os outros, não tão espetacula­res como estes, mas que acabam de perder grande parte do trabalho na direção e fiscalizaç­ão de obra para outros profission­ais, muitos deles sem qualificaç­ões adequados.

O caminho não é por aí, sabemos nós arquitetos. Cada “macaco no seu galho” a desempenha­r as funções para as quais se qualificou, esse sim, é o caminho certo. Esta cruzada destes engenheiro­s que se acham especiais, liderados pelo bastonário Mineiro Aires, contra os arquitetos, só podia dar nisto; descredibi­lizar a profissão de engenheiro (e por arrasto a de arquiteto). É caso para dizer “com amigos assim, ninguém precisa de inimigos”.

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