Uma linha invisível pode fazer o Brexit tropeçar
Conselho Europeu tenta encontrar uma solução para a fronteira irlandesa. Extensão do período de transição encarada como hipótese
É invisível, mas é precisamente essa particularidade – ou, melhor, a manutenção desse aspeto – que surge como principal motivo de discórdia nas negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia. A Irlanda do Norte e a República da Irlanda não querem a reaparição de uma fronteira física entre as duas regiões insulares, extinta há 20 anos, ao abrigo do Acordo de Belfast (ler caixa). Pelos vistos, o Governo britânico e o Executivo europeu também não. O problema é que as soluções avançadas têm falhado no agrado às duas partes.
E uma hipotética extensão do período pós-Brexit – que o Conselho Europeu iniciado ontem, em Bruxelas, não desdenha – não pode servir de desculpa para a subalternização da questão fronteiriça. Leo Varadkar, primeiro-ministro irlandês, deixou-o bem claro. “Há mérito em discutir a ideia de um período mais longo de transição, mas tal não pode ser uma alternativa ao ‘backstop’ da Irlanda.”
Bruxelas e Londres acordaram que o período de transição, durante o qual o Reino Unido continuará a aplicar as regras europeias e a contribuir para o orçamento, mas não participará na tomada de decisões, decorrerá até 31 de dezembro de 2020.
PRIORIDADE É “BACKSTOP”
Theresa May, primeira-ministra britânica, não poderia estar mais de acordo com Varadkar. Questionada sobre se aceitaria uma extensão do período de transição, como proposto por Michel Barnier, principal negociador comunitário, a governante reforçou que a prioridade é solucionar a questão do “backstop”. “Acredito que é possível encontrar uma solução para esse problema e, assim, alcançar um acordo global.”
No entanto, além dos engulhos nas conversações com Bruxelas, May enfrenta forte contestação intramuros. Além da previsível – e cerrada – oposição do Partido Trabalhista, de Jeremy Corbyn, e de alguns setores dos colegas conservadores, a líder do Executivo tem de gerir o desagrado dos norte-irlandeses do Partido Democrático Unionista, que lhe garante a maioria na Câmara dos Comuns. E eleições antecipadas neste momento são um risco tremendo para a primeira-ministra. Volta-se à questão da fronteira irlandesa...
De qualquer forma, e apesar do otimismo (aparente?) de May, Alemanha e, segundo o jornal inglês “The Guardian”, França estarão a preparar planos de contingência para um Brexit sem acordo, algo que muitos dos líderes reunidos em Bruxelas consideram já inevitável.
No Parlamento alemão, a chanceler, Angela Merkel, até admitiu acreditar que ainda existe uma possibilidade de concluir um bom acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, “mas é evidente que um Governo responsável olha para o futuro e prepara todos os cenários, incluindo o de um Brexit desordenado”.
MAIS DINHEIRO
O diário britânico aponta que o Executivo francês elaborou um documento que lhe permite introduzir novas medidas legais para evitar ou mitigar as consequências de uma saída sem acordo. Entre as premissas, inclui-se, por exemplo, a de os cidadãos britânicos virem a precisar de visto para entrar em França.
Alguns diplomatas alertam para um problema adicional de uma eventual extensão do período de transição. O Reino Unido teria de pagar muitos milhões mais à União Europeia e não teria qualquer palavra a dizer sobre a forma como aquele dinheiro seria gasto.