A teia aperta-se sobre o príncipe
Desaparecimento do jornalista em Istambul ligado a próximos de “MBS”
Era o sinal que faltava para o Mundo ficar a perceber, ainda que nas entrelinhas, que o príncipe herdeiro saudita, Mohamed Bin Salman, vulgo MBS, tem mesmo algo a ver com o desaparecimento na Turquia do jornalista exilado e crítico do regime Jamal Khashoggi: o secretário de Estado das Finanças dos EUA anunciou ontem que não vai este fim de semana à Arábia Saudita, onde devia participar na Future Investment Initiative, uma conferência pensada por MBS para vender uma imagem de modernidade e diversificação económica de um reino que se quer aberto ao mundo. Era a “Davos do deserto” e ameaça ser um fiasco.
Steven Mnuchin junta-se a dezenas de personalidade mundiais da alta finança na rejeição da presença numa festa organizada por um Governo sobre o qual recai a mais hedionda das suspeitas: um reino moderno não pode mandar liquidar um crítico, e menos ainda fora do seu território. E as pistas sobre o desaparecimento de Khashoggi – que fontes da investigação turca descrevem como um assassinato com requintes de horror – apertam cada vez mais MBS.
Mnuchin tomou a decisão depois de reunir com o presidente Donald Trump – que ontem admitiu que parece que Khashoggi morreu – e o secretário de Estado, Mike Pompeo, ontem regressado de um périplo de emergência a Riade e Ancara. Porque o caso afeta um importante parceiro dos EUA: além de gigantesco cliente em armamento, o reino sunita é pivô imprescindível no Médio Oriente para travar o Irão (xiita) – e o interesse é recíproco: Riade precisa de Washington para garantir a predominância na influência regional.
GENTE DEMASIADO GRANDE
Apesar de os EUA (Trump) evitarem condenações diretas, as evidências são inegáveis. Segudno o jornal “The New York Times”, um dos 15 agentes que passaram o dia 2 em Istambul e são suspeitos da morte de Khashoggi é tão próximo de MBS que acompanhou-o há meses aos EUA, Madrid e Paris. É o coronel Maher Abdulaziz Mutreb. Com ele em Istambul estavam outros dois coronéis presentes nas mesmas viagens do príncipe.
Soma-se-lhe Salah Mohamed Al-Tubaigy, médico legista ao qual fontes turcas atribuem o trabalho sujo. É presidente do Conselho Científico de Medicina Legal saudita e diretor do Instituto de Medicina Legal e Polícia Científica do Ministério do Interior saudita. E especialista em “autópsias móveis”. Dificilmente MBS conseguirá explicar que pessoas colocadas tão alto na hierarquia saudita participem numa operação que não encomendou e da qual, defende-se, não teve conhecimento...
Além disso, estas são informações que deitam por terra, sequer, a versão definitiva que, garantiu a imprensa norte-americana, será defendida por Riade: o interrogatório que antecederia o repatriamento de Khashoggi e correu mal. É a tese que melhor serve os sauditas, os EUA e a Turquia, que não pode desprezar aliados na região. É a tese que evita pedir a cabeça de MBS. E, como afirma um diplomata da ONU ao “Le Monde”, “se os EUA não pedirem a sua cabeça, ele sobreviverá, porque na Arábia Saudita não há opinião pública”.
Essa era, de resto, uma das críticas de Khashoggi. Na última crónica, lamentava o bloqueio da liberdade de imprensa e da Internet...