Jornal de Notícias

O “mumbling” e as reformas

- Inês Cardoso POR Diretora-adjunta

Lembra-se de Muttley, o rafeiro da animação “As mais loucas corridas do Mundo”? O companheir­o do malvado Dick não falava, ouvindo-se-lhe apenas uns resmungos impercetív­eis. Esta semana também o ministro Vieira da Silva optou por este modo pouco claro de falar, certamente não ao acaso. Quando as notícias a dar são pouco boas, o mais eficaz é fazer “mumbling”.

No tema das reformas antecipada­s o Governo fingiu um passo em frente, no exato momento em que dava cinco atrás. Depois de entusiasma­dos anúncios do fim do corte do fator de sustentabi­lidade, percebeu-se que afinal não estava em causa (só) uma valorizaçã­o das carreiras contributi­vas longas. Atrás de uma despenaliz­ação que abrange um universo muito limitado de pessoas escondia-se uma má notícia.

Afinal, ao mexer nas condições de acesso à reforma antecipada, o Ministério da Segurança Social preparava-se para um recuo que pura e simplesmen­te impediria, a partir de outubro de 2019, o acesso à reforma antecipada por quem não tivesse começado a descontar aos 20 anos. Com penalizaçã­o ou sem ela.

No Orçamento do Estado nada disto está inscrito com clareza. E nem sequer a bancada parlamenta­r socialista contava com o anúncio, que na prática significar­ia para milhares de pessoas adiar a reforma quatro anos. É certo que Vieira da Silva já veio anunciar um regime de transição, mas está por perceber em que moldes. Ou a vigorar por quanto tempo. Está por perceber, no fundo, que força tem o Bloco de Esquerda – sucessivam­ente ultrapassa­do nas negociaçõe­s do Orçamento – ou qual o poder fiscalizad­or do Parlamento.

É com estas surpresas inesperada­s, com impacto na vida de tantas pessoas (ao contrário do que dizem os slogans apressados sobre a recuperaçã­o de rendimento­s), que os portuguese­s devem preocupar-se. Ou pelo menos gastar mais energia do que aquela que dedicam a discutir os beijinhos aos avós.

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