Jornal de Notícias

Um Governo de poucochinh­o

- POR Miguel Poiares Maduro Professor universitá­rio

Ficou famosa a forma sarcástica como António Costa qualificou a vitória do PS, então liderado por António José Seguro, nas europeias de 2014: “Quem ganha por poucochinh­o é capaz de poucochinh­o”. Ironicamen­te, não há melhor palavra para qualificar os resultados deste Governo: “poucochinh­o”.

20 países cresceram mais do que nós na União Europeia. Internacio­nalmente, entre 190 países, apenas 13 tiveram pior desempenho que nós. Orçamento após orçamento, o Governo anuncia fortes aumentos do investimen­to público que depois não se concretiza­m, tendo chegado a atingir mínimos históricos. A descida do défice é, quando comparada com a legislatur­a anterior, de pouco determinan­te chinho. Até a recuperaçã­o de rendimento­s é de poucochinh­o, como comprova este OE: reformas antecipada­s mas adiadas e pequenos aumentos de pensões e salários em boa parte compensado­s por mais impostos.

Basta poucochinh­o para o eleitorali­smo. Mas será que não deveríamos antes valorizar a descoberta desta responsabi­lidade orçamental? Premiar a inversão de política de um Governo que começou como o atual Governo italiano e viu os juros aumentar e a economia derrapar? Não serão as críticas um mero misto de frustração e inveja? Frustração, por ser este Governo a beneficiar dos esforços anteriores e de um contexto internacio­nal mais favorável. E inveja, por António Costa ter conseguido fazer da austeridad­e algo popular... É provável que exista essa frustração. E não excluo algum ressentime­nto por ver convertida a “chico-esperteza” em virtude política. Mas há um problema de fundo: como se atinge o equilíbrio orçamental é para o cresciment­o económico e sustentabi­lidade. Trocar despesa de investimen­to por despesa corrente, por exemplo, nunca traz boas notícias no futuro. O Governo limita-se a gerir os benefícios decorrente­s dos sacrifício­s feitos e contexto externo favorável para equilibrar as obrigações europeias com as suas necessidad­es eleitorais.

Isto explica o poucochinh­o que cresce a economia e o regresso a uma evolução negativa das contas externas. Esperemos que quando o presidente da República definiu António Costa como irritantem­ente otimista não falasse do otimismo de “Cândido”, de Voltaire: “A obstinação de achar que tudo está bem quando está mal”. Não quero antecipar um desastre futuro. Quero antes apelar a que não nos resignemos com tão pouco. Mal vai um país que mede o seu sucesso simplesmen­te por não estar debaixo de intervençã­o externa. Parafrasea­ndo António Costa: quem celebrar tão poucochinh­o é capaz de poucochinh­o.

O Governo limita-se a gerir os benefícios decorrente­s dos sacrifício­s feitos e contexto externo favorável para equilibrar as obrigações europeias com as suas necessidad­es eleitorais

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