Jornal de Notícias

O nosso mosteiro merece mais

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Andava já na faculdade a primeira vez que entrei no Mosteiro de Santa Clara, em Vila do Conde. Foi o Mário quem me levou. Era um amigo lá da rua, que dedicava parte do seu tempo livre a fazer atividades com os “meninos da Correção”. Em troca de alguma ajuda no jornal do à época Centro Educativo, arranquei autorizaçã­o para uma reportagem.

O trabalho académico, com a promessa de que nunca seria publicado, dispensou as necessária­s autorizaçõ­es do Ministério da Justiça. E lá andei uns meses. Não havia mais de 30 jovens ao cuidado dos padres Salesianos, que, ali desde 1944, chegaram a ter mais de 200 à sua guarda. De cada vez que lá ia, invejava-lhes a vista ímpar sobre o Ave e sobre a cidade, os jardins, as muitas salas cheias de história de uma casa com sete séculos, convento de Clarissas, que marcou o cresciment­o da cidade e lhe deu a fama dos doces conventuai­s. A “casa grande” tinha vida. Sem saber, assisti àqueles que seriam os últimos anos do Centro Educativo de Santa Clara. Fechou, em 2006, por ordem do Ministério da Justiça.

Seguiram-se anos de “trocas de galhardete­s” entre ministério­s, incêndios, vandalismo e pilhagens que destruíram paredes e tetos, obras de arte e, acima de tudo, uma parte da história de Vila do Conde, que ali ficou, abandonada, espalhada pelas salas, nos quartos, nas oficinas da “escola”, nos corredores.

Em 2013, Vila do Conde uniu-se num abraço ao mosteiro e fez uma “limpeza geral” do edifício. Passaram mais seis anos. Continua fechado.

Há dias fui à igreja – monumento nacional ali ao lado, onde jazem, entre outros, Afonso Sanches e Nuno Álvares Pereira. Há vidros partidos que deixam entrar pequenas aves que, à noite, às vezes, “fazem das suas”, dizia-me em surdina um velhinho, sentado no banco. Lá dentro, na sacristia, um homem conta a história de Berengária, a humilde freira que, reza a lenda, com ajuda divina, “purificou” o convento que ameaçava ceder às tentações mundanas.

Agora, o grupo Visabeira e a açoriana Slicedays disputam, por estes dias, o mosteiro. O ex-líbris de Vila do Conde foi incluído no programa Revive e colocado no mercado. Será um hotel e o mais que o promotor decidir. Que seja desta e que não tenha de haver um novo abraço ao mosteiro em jeito de pedido de desculpa. Porque, 12 anos depois, o mosteiro merece mais do que uma pancadinha nas costas.

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