Jair Bolsonaro desvaloriza violência policial no Brasil
“Coloquei o meu corpo na frente das mães e das crianças que estavam ali e atirei. E atiraria de novo. Agi como mãe e como policial. Agi com a coragem que sempre tive. E eu não farei diferente como deputada”.
A narração de uma candidata a deputada federal pelo Partido da República (PR), num “post” de propaganda como “Policial Kátia Sastre”, em cuja página enverga a farda da Polícia Militar (PM), acompanha um vídeo em que surge, à paisana, a disparar sobre um presumível assaltante à porta da escola da filha.
Ocorrido em maio, o incidente, que causou a morte do jovem de 20 anos, justificado pela cabo da PM como ato de legítima defesa, é apenas mais um nas estatísticas cada vez mais preocupantes da violência policial no Brasil.
ESTADO DE S. PAULO CAMPEÃO
No ano passado, 5159 pessoas foram mortas por polícias em serviço e fora de serviço, correspondendo a 8,1% do total de 63 895 mortes violentas intencionais no país, segundo o último Anuário Brasi- leiro de Segurança Pública.
O uso do vídeo na campanha gerou protestos, mas rendeu popularidade. Foi a sétima mais votada (264 013 votos) dos 70 eleitos para a Câmara dos Deputados pelo estado brasileiro de S. Paulo – o campeão da violência policial.
Segundo o anuário, publicado pelo Forum Brasileiro de Segurança, das 4831 mortes intencionais naquele estado, 940 (19,5%) foram devidas a intervenções policiais, em serviço ou não. Na capital, a taxa é assustadora: um terço dos 1344 homicídios tem a marca de pólvora policial.
Homenageada pela PM e pelo governador de S. Paulo, a cabo Kátia Sastre é uma heroína para os círculos que defendem mais facilidade do acesso de “pessoas de bem” ao porte de arma e menos pressão sobre os agentes de segurança.
Não é por acaso que ela apoia o candidato de extrema-direita à Presidência, Jair Bolsonaro, que defende proteção do Estado para os agentes das polícias, com o alargamento das causas de exclusão da ilicitude do uso da força, que especialistas encaram com receio de agravamento da violência.
“Os policias precisam de ter a certeza de que, no exercício da sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica. Garantida pelo Estado, através do excludente de ilicitude. Nós brasileiros precisamos de garantir e reconhecer que a vida de um polícia vale muito e o seu trabalho será lembrado por todos nós!”, proclama o candidato de extrema-direita.
HERÓIS NACIONAIS
No seu programa, Jair Bolsonaro critica a Esquerda “preocupada com as mortes associadas a ações policiais” e contrapõe 552 agentes mortos em serviço em 2017, citando a Ordem dos Polícias do Brasil (página indisponível para verifica-
ção), mas que o Anuário refere 367. São “heróis nacionais” cujos nomes promete “gravar no Panteão da Pátria e da Liberdade”.
O programa do candidato de Esquerda, Fernando Haddad, não foge ao tema, mas acentua a necessidade de “modernizar o sistema institucional de segurança”, com a “reforma das polícias” e o “debate sobre a sua militarização”, a qualificação e valorização dos profissionais e das suas condições de trabalho”, o “combate implacável à tortura”, a “priorização da vida, controlo de armas e repactuação das relações entre polícias e comunidades”.