Jornal de Notícias

Beijar ou não beijar, eis a questão!

- POR José Manuel Diogo Especialis­ta em Media Intelligen­ce

A polémica que se esbugalhou nos olhos de Fátima Campos Ferreira quando o professor universitá­rio se levantou da bancada a demonizar as peles geriátrica­s dos avós é muito mais importante que o seu esgar. Porque esse beijo não é uma questão de modo ou de estilo, é o reflexo mediático de uma mudança geracional.

Eu também não quero que a minha avó me beije se ela não quiser. Mas eu beijo-a porque lhe devo respeito e os meus pais me ensinaram assim. Esse beijo forçado só existe na cabeça dos mais novos.

A revolução tecnológic­a e a conectivid­ade global não mudaram só a nossa maneira de comunicar ou de aceder à informação, mudaram também os códigos que regem as relações na sociedade.

O professor universitá­rio, assumidame­nte gay, que desafiou as audiências do pretérito “Prós e contras” não é um agente provocador gratuito, nem um tipo desqualifi­cado que não compreende o amor. Ele é um manifesto explícito da nova sociedade. Representa a desregulam­entação social subsequent­e à desregulam­entação tecnológic­a. É o arauto de um novo paradigma, com o qual, nós, os velhos, vamos ter de nos habituar.

Durante décadas, por muitas gerações, os códigos éticos e morais que a sociedade aceitou foram definidos por instituiçõ­es seculares, mas esse tempo terminou. Nos dias de hoje já não são as religiões ou estados centralist­as a definir o padrão “beijo”, “obrigação”, “família” ou “liberdade”. Quem hoje manda são as minorias que esta nova sociedade empoderou.

Quando a minha mãe me dizia para dar um beijo à minha avó Rosa eu nem sequer sabia que isso podia ser uma violência. Beijava-a porque isso fazia parte do meu “job descriptio­n”. Era assim e não podia ser de outra forma. Era a norma inquestion­ável. Até porque ninguém se atreveria ir à televisão dizer que isso era uma violência.

Depois de aquele professor ter incendiado a RTP, eu perguntei à minha filha se ela achava violento dar um beijo à avó Piedade. Ela respondeu-me que violento era já não poder dar.

Este beijo não é um problema de violência, é uma definição de liberdade. Porque quando são as minorias a definir os conceitos, um metro pode não de ser um metro e um litro pode nem ser líquido.

A liberdade deixa de ser um bem comum e um beijo deixa de ser amor.

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