MIRA, as galerias que devolveram o orgulho a Campanhã
Projeto celebrou cinco anos este mês. Fotografia é o epicentro da programação. Em marcha está o Mapa Emocional de Campanhã
Quando, em outubro de 2013, Manuela Matos Monteiro e João Lafuente abriram as portas das galerias MIRA na Rua de Miraflor, em Campanhã, estavam longe de imaginar o efeito que viriam a produzir. “Se nos tivessem dito há cinco anos que o Mira seria isto, achávamos que era impossível”, afirma Manuela Monteiro ao JN. Desde então, já acolheram mais de uma centena de exposições, dezenas de tertúlias, performances, concertos, lançamentos de livros, sessões de cinema e de poesia. A cultura ganhou uma nova morada e Campanhã outra centralidade, com mostras de artistas, como Alfredo Cunha ou Maçãs de Carvalho.
UM PROJETO DE VIDA
Manuela Monteiro é formada em Filosofia, João Lafuente em Matemática Aplicada. Foram membros ativos do movimento estudantil do Porto, que enfrentou o Estado Novo no ocaso do regime. Estão juntos há quase 50 anos. A fotografia sempre fez parte da vida dos dois e abrir uma galeria era um projeto de vida. “Sabíamos que não seria em Miguel Bombarda, porque não tem a ver com o nosso perfil”, recorda Manuela. Sabiam também que não queriam “uma galeria fashion, socialite”. Desejavam “fazer uma coisa que tivesse ressonância no coletivo”.
A oportunidade apareceu em Campanhã e não hesitaram quando viram o espaço: compraram quatro armazéns. Os dois primeiros são hoje o Espaço MIRA e o MIRA Fórum, o terceiro abriu em 2017, como MIRA Artes Performativas. “E o quarto vai ser a nossa casa”, contam bem-dispostos. Seguiu-se um efeito de contágio e agora os 11 armazéns daquela rua estão ocupados por artistas.
Os donos do MIRA foram bem acolhidos desde o primeiro momento. As relações foram-se tecendo com vagar e empenho: primeiro com os vizinhos do lado, depois com a Rosa da adega, mais tarde com a Associação Malmequeres da Noêda, onde Rui Silva e a mulher, Sandra, tentavam, em paralelo, reanimar uma coletividade em coma. Foi através deles que “começou a nossa relação séria com a comunidade”, garantem.
“A Manuela e o João começaram a ir aos nossos espetáculos fotografar, filmar e depois cediam as fotografias e as filmagens”, diz Rui Silva ao JN. Também cediam material, espaço para ensaiar, conselhos, novos conhecimentos: “Tivemos a visita do presidente da República, que a Manuela fez questão de levar à associação, Rui Moreira é agora um visitante da associação”, enumera com orgulho.
UMA RUA DAS ARTES
Orgulho e autoestima são valores que Manuela e João sentem ter devolvido à comunidade envolvente. Quando ali foi uma equipa de televisão, Manuela ouviu uma vizinha dizer: “ainda bem que agora não falam de nós só porque somos pobres, agora falam de nós por causa das artes”. Rui Silva confirma o ganho: o acesso à cultura, a “chegada de pessoas que não estavam habituadas a frequentar Campanhã”, o São João de rua que já leva três edições. “A rua, sem o MIRA, já não era a mesma coisa. A gente não se ia habituar. Íamos ficar ao abandono e agora não nos sentimos abandonados”.
As galerias vivem sem apoios, pelo que o lucro é para já de ordem afetiva e intelectual. Para o futuro, não fazem planos. Querem manter o projeto com a sua essência de “abertura, interação, disponibilidade”. Isso e concretizar uma ideia já em marcha: fazer o Mapa Emocional de Campanhã.