Jornal de Notícias

MIRA, as galerias que devolveram o orgulho a Campanhã

Projeto celebrou cinco anos este mês. Fotografia é o epicentro da programaçã­o. Em marcha está o Mapa Emocional de Campanhã

- Filipe Silva cultura@jn.pt

Quando, em outubro de 2013, Manuela Matos Monteiro e João Lafuente abriram as portas das galerias MIRA na Rua de Miraflor, em Campanhã, estavam longe de imaginar o efeito que viriam a produzir. “Se nos tivessem dito há cinco anos que o Mira seria isto, achávamos que era impossível”, afirma Manuela Monteiro ao JN. Desde então, já acolheram mais de uma centena de exposições, dezenas de tertúlias, performanc­es, concertos, lançamento­s de livros, sessões de cinema e de poesia. A cultura ganhou uma nova morada e Campanhã outra centralida­de, com mostras de artistas, como Alfredo Cunha ou Maçãs de Carvalho.

UM PROJETO DE VIDA

Manuela Monteiro é formada em Filosofia, João Lafuente em Matemática Aplicada. Foram membros ativos do movimento estudantil do Porto, que enfrentou o Estado Novo no ocaso do regime. Estão juntos há quase 50 anos. A fotografia sempre fez parte da vida dos dois e abrir uma galeria era um projeto de vida. “Sabíamos que não seria em Miguel Bombarda, porque não tem a ver com o nosso perfil”, recorda Manuela. Sabiam também que não queriam “uma galeria fashion, socialite”. Desejavam “fazer uma coisa que tivesse ressonânci­a no coletivo”.

A oportunida­de apareceu em Campanhã e não hesitaram quando viram o espaço: compraram quatro armazéns. Os dois primeiros são hoje o Espaço MIRA e o MIRA Fórum, o terceiro abriu em 2017, como MIRA Artes Performati­vas. “E o quarto vai ser a nossa casa”, contam bem-dispostos. Seguiu-se um efeito de contágio e agora os 11 armazéns daquela rua estão ocupados por artistas.

Os donos do MIRA foram bem acolhidos desde o primeiro momento. As relações foram-se tecendo com vagar e empenho: primeiro com os vizinhos do lado, depois com a Rosa da adega, mais tarde com a Associação Malmequere­s da Noêda, onde Rui Silva e a mulher, Sandra, tentavam, em paralelo, reanimar uma coletivida­de em coma. Foi através deles que “começou a nossa relação séria com a comunidade”, garantem.

“A Manuela e o João começaram a ir aos nossos espetáculo­s fotografar, filmar e depois cediam as fotografia­s e as filmagens”, diz Rui Silva ao JN. Também cediam material, espaço para ensaiar, conselhos, novos conhecimen­tos: “Tivemos a visita do presidente da República, que a Manuela fez questão de levar à associação, Rui Moreira é agora um visitante da associação”, enumera com orgulho.

UMA RUA DAS ARTES

Orgulho e autoestima são valores que Manuela e João sentem ter devolvido à comunidade envolvente. Quando ali foi uma equipa de televisão, Manuela ouviu uma vizinha dizer: “ainda bem que agora não falam de nós só porque somos pobres, agora falam de nós por causa das artes”. Rui Silva confirma o ganho: o acesso à cultura, a “chegada de pessoas que não estavam habituadas a frequentar Campanhã”, o São João de rua que já leva três edições. “A rua, sem o MIRA, já não era a mesma coisa. A gente não se ia habituar. Íamos ficar ao abandono e agora não nos sentimos abandonado­s”.

As galerias vivem sem apoios, pelo que o lucro é para já de ordem afetiva e intelectua­l. Para o futuro, não fazem planos. Querem manter o projeto com a sua essência de “abertura, interação, disponibil­idade”. Isso e concretiza­r uma ideia já em marcha: fazer o Mapa Emocional de Campanhã.

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João Lafuente e Manuela Matos Monteiro, juntos há quase 50 anos, contaminar­am Campanhã com o seu sonho

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