Jornal de Notícias

A vida madrasta dos sem-abrigo do Porto

Situação está fora de controlo, diz autarca do Centro Histórico

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Doença mental, toxicodepe­ndência e alcoolismo. Isoladas ou em conjunto, são três caracterís­ticas de grande parte dos sem-abrigo que vivem nas ruas do Porto: no Campo 24 de Agosto, na Praça da Batalha, na Rua do Bonjardim, no Largo de Tito Fontes, sob o viaduto da Rua de Gonçalo Cristóvão, na Rua de Camões ou na Praça da República, entre muitos outros locais, caracterís­ticos pelos cobertores enrolados, pedaços de cartão, roupa e sacos de comida. Contam com a ajuda uns dos outros e das equipas de rua que os apoiam com cuidados médicos e alimentaçã­o. A sociedade acordou chocada para o problema que muitos fingem não ver no passado fim de semana com a morte de Joaquim David, 47 anos, encontrado por turistas franceses inanimado no chão da Praça dos Poveiros.

BATALHA Carolina não se separa de Snoopy

Maria Carolina Soares, de 55 anos, apesar de viver na rua há apenas dois meses, conheceu Joaquim. “Era sossegado não fazia mal a ninguém. Estava era doente e bebia muito”, conta. Carolina teve “azar na vida”. Vivia bem, casada com um sindicalis­ta, mas acabou viúva e atirada para a rua por um despejo. Com um rendimento de inserção social de 180 euros, vive com o cão Snoopy na entrada do Cinema Batalha. “Nos quartos não aceitam o cão e dele não me separo”, diz. Alimenta-se do que lhe é dado. Conceição Oliveira é sócia-gerente de um dos restaurant­es na praça. “Ela é amorosa e aquele carinho pelo cão que é a única família que tem deixa-me emocionada”, afirma a empresária que dá almoço e jantar a Carolina. “Ninguém está livre de um dia cair numa situação como a dela”, justifica, com os olhos marejados.

RUA DE CAMÕES Venda de pensão atirou-o para a rua

Um dos problemas são os hábitos de higiene que, para quem mora na rua, ficam limitados. Carolina durante muito tempo tomava banho e lavava a roupa no fontanário das Fontainhas. Nos Poveiros acontece o mesmo no espelho de água junto às esplanadas da restauraçã­o. Muitos utilizam os espaços públicos de entrada livre como a Biblioteca Pública Municipal, em S. Lázaro. Lavam-se nas casas de banho e ali deixam a roupa suja que trocam pela limpa que na noite anterior foi distribuíd­a. “É complicado tomar banho. Desde que vim para a rua nunca mais me lavei”, refere Silvério Oliveira, de 55 anos, que dorme há três semanas na entrada de uma loja que vende tapetes na Rua de Camões. Silvério foi vítima dos tempos modernos. Vivia com mais dez pessoas numa residencia­l da Baixa que acabou vendida e transforma­da num hostel. É natural de Esmoriz e trabalhou na construção. Um problema de saúde dá-lhe uma reforma de 400 euros por invalidez. “Está tudo muito caro e com este dinheiro não encontro um sítio para morar”, acrescenta.

CAMPO 24 DE AGOSTO Hermínio vai receber ajuda

A proximidad­e de supermerca­dos, onde é fácil adquirir álcool a baixo preço, dita muitas vezes a escolha dos locais para pernoitar. É assim nos Poveiros, na Praça da República ou no Campo 24 de Agosto. Aqui, ao longo de um rés do chão de um edifício em remodelaçã­o (o antigo Central Shopping) e às portas de uma das maiores unidades hoteleiras da cidade, vivem cinco pessoas. Já ali estiveram idosos, com mais de 80 anos, e casais com crianças. Hermínio Guedes, de 42 anos, raramente abandona o local. Não tem uma perna, amputada há já alguns anos num acidente de moto. “Tem de estar sempre aqui alguém pois já nos roubaram”, conta. Recebe a visita quase diária de um casal amigo. Carlos e Sandra trazem comida e agasalhos. É de Matosinhos e está ali “há um ano e meio” depois de ter passado pelos Poveiros e pela Trindade. Hermínio está sinalizado e, em breve, irá para o Centro de Acolhiment­o Joaquim Urbano. “Tudo é melhor que isto”, desabafa.

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Carolina e o seu amigoSnoop­y. Silvério foi despejado e Hermínio espera ir para o centro

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