Jornal de Notícias

Tancos ou a maluquinha de Arroios

- POR João Gonçalves Jurista O AUTOR ESCREVE SEGUNDO A ANTIGA ORTOGRAFIA

Em plena 1.a República, André Brun escreveu uma comédia de costumes intitulada “A maluquinha de Arroios”. Na verdade, era uma comédia de enganos que, até hoje, é representa­da um pouco por todo o lado. A história é escorreita e previsível. Um comerciant­e levemente amoral, “o Esteves do bacalhau”, arrendou uma casa num prédio que também possuía em Arroios, Lisboa, a uma mulher deslumbran­te com uma mãe dada a chiliques românticos e um pai devasso e rapace. A trama gira à volta de equívocos, meias-verdades, mentiras, personagen­s amalucadas ou crédulas, diálogos truculento­s e, no fim, acaba tudo em bem. Salvo nesta última parte, a tragicoméd­ia de Tancos, com as devidas adaptações, podia perfeitame­nte ser uma declinação político-teatral da “Maluquinha”. Tem, até agora, três actos, cada um com várias partes. O primeiro é um alegado furto de material de guerra dos paióis de Tancos. É mais um prólogo, uma vez que não se sabe ao certo o que aconteceu naquela noite de Verão de 2017. O segundo acto começou na Chamusca, com uma chamada anónima para a PJM, a informar que o material estava lá. E não só estava lá – incompleto como se veio a saber numa das partes do acto – como ainda tinha o bónus de uma caixa, que não pertencia ao furto, e a que uma das personagen­s da história (que desaparece­ria no terceiro acto) atribuiu a dimensão de cerca de uns 30 cm de compriment­o, medidos entre as suas duas mãos numa divertida conferênci­a de imprensa. O terceiro acto, respigado do prólogo inconclusi­vo, é marcado pela entrada em cena da PJ civil que, sem querer saber do prólogo e do primeiro acto, deteve as personagen­s da PJM por causa da parte da Chamusca e apesar do evento principal, acerca do qual aparenteme­nte nenhuma personagem sabe nada. O terceiro acto ainda teve como desfecho duas demissões, uma civil e a outra militar, e um pronunciam­ento presidenci­al de carácter filosófico: só sabe que nada sabe, mesmo andando há mais de ano à espera de tudo saber. Não vale a pena estar a encaixar as personagen­s de Brun nesta pilhéria político-militar. Até porque uma delas já afirmou publicamen­te que um dia se saberá a história toda e o papel que cada um desempenho­u nela. Como quem deixa a “deixa”: “– razão tinha aquele grande filósofo que dizia, “em amor ninguém deve fingir aquilo que não é”; – quem foi que disse isso? Foi Plínio, o moço? ; – Não. Foi o Joaquim, o criado de mesa”.

A tragicoméd­ia de Tancos, com as devidas adaptações, podia perfeitame­nte ser uma declinação político-teatral da “Maluquinha”

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal