Tudo é real dentro do teatro
“TEATRO”, de Pascal Rambert, explora interstícios da arte teatral
A coreografia mecânica do palco do São João, com as luzes e as telas a movimentarem-se para cima e para baixo durante vários minutos, antes de qualquer ator, antes de qualquer palavra, anunciava distintamente que o protagonista deste espetáculo seria o próprio teatro – os seus interstícios, os seus processos, as suas glórias e as suas dores.
Tudo o que se ouvirá em seguida em “TEATRO”, criação de Pascal Rambert que estreou no D. Maria II, em Lisboa, e fica em cena no São João até 28 de outubro, está em contínuo com essa abertura, prolongando-se a coreografia através das memórias, métodos e experiências dos seres teatrais ali presentes – Rui Mendes, Beatriz Batarda, João Grosso, Lúcia Maria e Cirila Bossuet.
Mais do que teatro dentro do teatro, o espetáculo concebido pelo criador francês a convite de Tiago Rodrigues, diretor do Nacional de Lisboa, é processo dentro do processo, teatro a olhar para dentro e a revolver as vísceras. A situação é a de um ensaio. Uma mesa de trabalho, algumas cadeiras, a luz forte que nos impede de mergulhar na habitual obscuridade, como se testemunhássemos uma cena informal, algo inacabado. Mas a luz tem um outro significado, que nos é dado pelo monólogo inicial de Rui Mendes – “os criminosos matam na obscuridade, os atores matam na luz”. Essa luz que leva os espectadores a quererem ver a violência e o sofrimento em palco. Ou os atores a sentirem no corpo a memória dos seus papéis, como quando João Grosso replica, numa espécie de ato reflexo, as suas famosas declamações de “Ode marítima”, de Fernando Pessoa.
Rambert escreve para “monstros”, para alguém que sabe “trabalhar a magia”. E o grau de exigência deste espetáculo, onde os atores são forçados a trabalhar em diferentes planos, a misturar as suas vidas com a ficção, num jogo incessante que confunde camadas e convoca espíritos passados e futuros, deixa claro que as escolhas foram certeiras. Entre os vários temas explorados pelo texto, destaque-se a ideia de legado, de transmissão, que faz com que o espetáculo descreva um “loop” e o teatro continue a existir.
TEATRO
TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO PORTO
ATÉ 28 DE OUTUBRO