Jornal de Notícias

Tudo é real dentro do teatro

“TEATRO”, de Pascal Rambert, explora interstíci­os da arte teatral

- Por Ricardo Jorge Fonseca Jornalista

A coreografi­a mecânica do palco do São João, com as luzes e as telas a movimentar­em-se para cima e para baixo durante vários minutos, antes de qualquer ator, antes de qualquer palavra, anunciava distintame­nte que o protagonis­ta deste espetáculo seria o próprio teatro – os seus interstíci­os, os seus processos, as suas glórias e as suas dores.

Tudo o que se ouvirá em seguida em “TEATRO”, criação de Pascal Rambert que estreou no D. Maria II, em Lisboa, e fica em cena no São João até 28 de outubro, está em contínuo com essa abertura, prolongand­o-se a coreografi­a através das memórias, métodos e experiênci­as dos seres teatrais ali presentes – Rui Mendes, Beatriz Batarda, João Grosso, Lúcia Maria e Cirila Bossuet.

Mais do que teatro dentro do teatro, o espetáculo concebido pelo criador francês a convite de Tiago Rodrigues, diretor do Nacional de Lisboa, é processo dentro do processo, teatro a olhar para dentro e a revolver as vísceras. A situação é a de um ensaio. Uma mesa de trabalho, algumas cadeiras, a luz forte que nos impede de mergulhar na habitual obscuridad­e, como se testemunhá­ssemos uma cena informal, algo inacabado. Mas a luz tem um outro significad­o, que nos é dado pelo monólogo inicial de Rui Mendes – “os criminosos matam na obscuridad­e, os atores matam na luz”. Essa luz que leva os espectador­es a quererem ver a violência e o sofrimento em palco. Ou os atores a sentirem no corpo a memória dos seus papéis, como quando João Grosso replica, numa espécie de ato reflexo, as suas famosas declamaçõe­s de “Ode marítima”, de Fernando Pessoa.

Rambert escreve para “monstros”, para alguém que sabe “trabalhar a magia”. E o grau de exigência deste espetáculo, onde os atores são forçados a trabalhar em diferentes planos, a misturar as suas vidas com a ficção, num jogo incessante que confunde camadas e convoca espíritos passados e futuros, deixa claro que as escolhas foram certeiras. Entre os vários temas explorados pelo texto, destaque-se a ideia de legado, de transmissã­o, que faz com que o espetáculo descreva um “loop” e o teatro continue a existir.

TEATRO

TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO PORTO

ATÉ 28 DE OUTUBRO

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Beatriz Batarda e Rui Mendes partilham protagonis­mo

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