Dúvidas do juiz em horário nobre
De um juiz espera-se que aplique a justiça. De um juiz estranha-se quando lança suspeições sobre a Justiça. Carlos Alexandre, o dito superjuiz, levanta dúvidas sobre o sorteio que ditou ser o magistrado Ivo Rosa o titular do processo “Operação Marquês”, deixando no ar a possibilidade de ter sido viciado. Lançou a suspeita numa espécie de entrevista ao Canal 1 da RTP. Perante as dúvidas do entrevistado, esperava-se também do entrevistador a pergunta óbvia. Não o fez. Sendo assim, ficamos sem saber se o impoluto Carlos Alexandre tinha dado conta dessas dúvidas aos órgãos competentes, ou seja, ao Conselho Superior da Magistratura (CSM). A pergunta não existiu, mas a resposta havia já sido dada, logo após a promoção da entrevista pela RTP, com o CSM a abrir um inquérito. Portanto, o juiz Carlos Alexandre, que muitos portugueses confundirão com um representante do Ministério Público, guardou as dúvidas para um programa de televisão, que revelou a origem humilde do magistrado. Numa amena cavaqueira, em que se orgulhava de nunca ter faltado ao emprego, “a não ser por morte de algum familiar”, revelou ter pedido folga para o dia do sorteio. E a malandragem aproveitaria para viciar o processo.
O superjuiz , todavia, ficou-se por meias-palavras, insinuações, sorrisos cúmplices com o entrevistador. Não afirmou, portanto, que o sorteio havia sido viciado: como seria de esperar de alguém que lança uma suspeita desta envergadura. Apenas insinuou. E se as insinuações são sempre deploráveis, são-no ainda mais na boca de um juiz de direito. O homem a quem coube conduzir a investigação de um dos mais importantes processos judiciais da Justiça portuguesa – com um antigo ex-primeiro-ministro arguido, suspeito, entre muitos outros crimes, de corrupção – não confia na Justiça. E tal posição é muito grave. Carlos Alexandre, além de levantar reserva de confiança sobre um seu colega, lança sobretudo um anátema sobre o nosso sistema judicial. Fez mais um favor aos que todos os dias cavam um pouco mais a já profunda cova da democracia.