Sentam-se à máquina e vestem crianças pobres
Mosteirô tornou-se um centro de costura para ajudar quem nunca estreou uma peça de roupa, pelo Mundo fora. E assim regressam as antigas modistas
Foram modistas noutros tempos, algumas até já tinham as máquinas de costura encostadas. Limparam-lhes o pó e carregaram-nas para o salão paroquial de Mosteirô, na Feira, para costurar um dia inteiro, sem parar, vestidos e calções para crianças carenciadas. Este é um dos 20 ateliês solidários em Portugal do projeto “Dress a girl around the World”. Em Mosteirô, chega a reunir 70 mulheres. Só neste sábado costuraram 93 vestidos e 269 calções.
Rosa Santos tem 63 anos e foi costureira a vida toda. Hoje, já só faz bainhas, fechos e pequenos consertos e foi uma das primeiras pessoas que Virgínia Familiar, responsável por trazer o projeto para Mosteirô, contactou quando quis criar ali um dos ateliês que há no país.
“Tomei conhecimento do projeto quando estive a trabalhar em Palmela. E percebi que podia resultar em Mosteirô, porque há muitas antigas modistas cá”, explica Virgínia, que nunca imaginou as proporções que o projeto ia ganhar. Um ano depois, junta desde costureiras mais velhas às mais jovens, de todo o lado, e até quem não sabe costurar está convidado: há tecidos para cortar, vestidos para engomar, elásticos para meter.
DUAS VANTAGENS
Encontram-se algumas vezes por ano e Virgínia explica o objetivo: “Levar roupa a crianças carenciadas que nunca puderam estrear uma peça e retirar da solidão uma geração em que todas as mulheres costuravam para voltarem a coser”.
Os vestidos e calções chegam a crianças de todo o Mundo, incluindo Portugal, pelas mãos de organizações não-governamentais parceiras. Vão para instituições, orfanatos, escolas, a maioria de Angola e Moçambique. Rosa já teve oportunidade de ver uma criança com o seu vestido em fotografias. “Ver o sorriso delas é uma sensação maravilhosa”, refere.
Alice Maceda tem 82 anos e passa o dia agarrada ao ferro de engomar, porque não sabe costurar. “Estou sozinha em casa e já não me lembrava de estar com tanta gente”, diz. Foi a todos os eventos, ao contrário de Sandra Andrade, 37 anos, que estava lá pela primeira vez: “Não sei costurar e já aprendi a utilizar uma tesoura de cortar pontas e um passador de fitas”.
UM HOMEM AFINADOR
Uma das voluntárias até leva máquinas de costura para quem não tem. Às vezes, recebem voluntários homens, como um afinador de máquinas de costura.
Não aceitam donativos em dinheiro, só em metros de elástico, tecidos, tesouras e tudo o que tenha a ver com costura. Recentemente, receberam 100 quilos de material. A nível nacional, o projeto que chegou em 2016 já entregou 17 mil vestidos e sete mil calções a crianças de 21 países. “Era a filha mais velha e a minha mãe pôs-me na costura. Aqui costuramos o dia inteiro e é um gosto ver as crianças com a roupinha” “Levamos roupa a crianças que nunca estrearam peças e retiramos da solidão uma geração que sempre costurou”