“Bolsonaro é mais perigoso do que Donald Trump”
Richard Zimler Romancista volta à história da família Zarco
A culpa e o remorso que dois primos sentem por terem sido os únicos sobreviventes do Holocausto na família atravessam “Os dez espelhos do Benjamin Zarco”, o novo romance de Richard Zimler, com o qual retoma o designado “ciclo sefardita” da sua obra.
Preocupado com o avanço do fascismo e antissemitismo em várias partes do globo, o escritor luso-americano defende um reforço da disciplina de História no ensino.
“Saberei o que ando a procurar nos meus livros quando o encontrar”, podemos ler num dos diálogos iniciais do livro. É o Richard Zimler a falar através de uma das suas personagens?
É uma frase que reflete o meu processo de escrita. Sei o que vai acontecer no primeiro capítulo, mas no resto do livro não faço a mais pequena ideia. Vou descobrindo o que o livro quer ser, o que quer narrar.
Gosta da ideia de um livro ser uma procura permanente?
Não poderia escrever de outra forma. Sei que há romancistas que planeiam tudo e já sabem que no décimo primeiro capítulo o narrador vai casar-se, no décimo quarto vai divorciar-se... A descoberta da história fica mais surpreendente para mim se for descobrindo as personagens à medida que as vou conhecendo melhor. É um processo mais arriscado, mas que me dá mais retorno.
Se o desafiassem a dizer o que procura nos livros, o que responderia?
O primeiro objetivo é sempre contar uma história. Uma história maravilhosa que desperte emoções no leitor. Para mim, a escrita não é um processo meramente intelectual. Quero atingir o leitor no coração e na alma. Faço isso através das personagens e da qualidade da escrita.
Benni e Shelly, os dois primos que carregam a culpa de terem sido os únicos sobreviventes da família no Holocausto, são personagens marcantes. Trá-los ainda dentro de si?
Claro. É curioso, porque ultimamente tenho tido insónias por causa do novo romance. E no meio dessas horas de vigília penso muito em Benni, inventando histórias acerca dele que podia ter incluído no livro. Chego ao ponto de criar diálogos entre ele e o filho sobre assuntos tão diversos como o desporto ou as eleições no Brasil.
Os dois primos encontraram formas muito diferentes de lidar com o remorso: um entrega-se à leitura de textos sagrados e outro ao sexo. Não há formas mais corretas do que outras?
O mais comum entre os sobreviventes do Holocausto é recusar falar dos traumas. Dentro de si, carregam uma culpa sem fim. Não conseguem compreender como foram salvos, ao contrário do que aconteceu com os seus pais ou irmãos. O destino escolheu os sobreviventes de uma forma aleatória. Nada teve que ver com os valores e qualidades. Em casos desses, o ser humano procura razões, mas elas não existem.
Este é o quinto livro que escreve sobre a família Zarco, o chamado “Ciclo sefardita”. É um capítulo ilimitado?
É o que adoro. Felizmente, a História portuguesa é maravilhosa, de tão multifacetada que é. Posso colocar o dedo em qualquer ponto do globo e situar um romance lá. Há muito que ouvimos falar do regresso em força do antissemitismo, mas nunca como hoje estiveram reunidas tantas condições para isso, concorda? Vivemos num Mundo perigoso. Jair Bolsonaro pode ficar à frente de um país muito grande e com enormes recursos e potencialidades. O homem é um neonazi fascista que odeia os negros e despreza as mulheres. Tenho muito medo pelos meus amigos brasileiros, porque há um risco grande de a ditadura voltar.
Como se explica que haja mulheres, negros e homossexuais que vão votar nele?
Há pessoas que interiorizam o desprezo da sociedade. Como pode um judeu votar nesta pessoa? Só alguém que não sabe nada de História. O fascismo nunca construiu nada. Só destruiu. Eles invocam o medo do comunismo. Mas como foi possível chegarmos a um ponto em que só há dois extremos numa eleição?
Perante a eleição iminente de Bolsonaro, Trump arrisca-se a ser um líder moderado?
Sim. Em comparação com Trump, Bolsonaro é mais inteligente, embora não muito mais. Trump é ignorante, enquanto Bolsonaro é capaz de ser mais maquiavélico e, por isso, mais perigoso.
Até em países que sofreram com o nazismo, como a Polónia, há fenómenos de extrema-direita.
Em momentos em que há crises nas instituições, tanto políticas como judiciais, abre-se a porta para a entrada dos demagogos criarem um governo fascista. A Polónia nunca conseguiu criar uma democracia estável depois do fim do comunismo. O problema é que na Europa existe a fantasia da raça pura. Angela Merkel disse que o multiculturalismo fracassou na Alemanha. Ao dizê-lo, só demonstrou que não conhece a própria História. A Alemanha foi uma construção de etnias diferentes.
Estes casos só provam a falência do ensino da História?
É o que acho. Temos de reformular a maneira de educar os filhos e fazer da História uma das disciplinas-chave, ao lado das línguas e da Matemática.
“Dentro de si, os sobreviventes do Holocausto carregam uma culpa sem fim” “Há pessoas que interiorizam o desprezo da sociedade. Como podem votar em alguém como Jair Bolsonaro?