“Achei que não tinha de chatear o senhor bispo com isto”
O padre Rui Sousa assume que a empresa ‘Mistérios da Quinta, Unipessoal, Lda.’ é sua e que a mesma não tem ligação a qualquer paróquia.
Ao JM, o padre justificou que a opção de candidatar o projeto da ‘Sidraria dos Prazeres’ por via de uma empresa privada sua foi por “a paróquia não ter meios para se meter num projeto destes”. “Não vou comprometer a paróquia com um projeto desta dimensão. É essa a razão”, disse, quando questionado pelo JM sobre os termos da entrada neste negócio.
Rui Sousa explicou também que este projeto deve ser visto à luz de uma experiência que vem sendo desenvolvida pela Quinta Pedagógica nos últimos 20 anos.
“Começámos, nessa altura, a fazer um trabalho de aproveitamento da maçã e do pêro regional da zona dos Prazeres e, sobretudo, da Freguesia da Ponta do Pargo. Frutas que não tinham valor comercial, porque a população é muito idosa, e, portanto, ficavam nos terrenos, perdiam-se”, disse. A persistência deu “resultados” e ao longo dos anos o setor foi sendo mais valorizado, com distinções a serem feitas e novos produtos a surgirem como a sidra engarrafada ou o vinagre de sidra.
Rui Sousa enquadra ainda que aguarda desde 2007 que o setor público cumpra as “promessas” de criação de uma sidraria nos Prazeres que até hoje nunca surgiu.
“Portanto, foi isso que nos levou a avançar, e criar agora um produto de qualidade, disse, reconhecendo que a “intenção” agora é a Sidraria dos Prazeres concentrar toda a produção de sidra do concelho da Calheta.
O padre confirmou também que o custo do projeto anda “à volta dos 300 mil euros”, cofinanciado pelo PRODERAM e por um empréstimo suportado pela empresa cujo valor não quis revelar. “Não sei se isso tem muito interesse”, justificou.
O JM questionou ainda o padre sobre como gostaria que os seus paroquianos entendessem o envolvimento de uma empresa sua e não da Igreja neste negócio, ao que nos respondeu: “Isto só pode ser entendido se se conhecer todo o trabalho que tem sido feito de valorização da agricultura pela Quinta Pedagógica. Eu tinha duas opções: ou arranjava um espaço digno para continuar este trabalho ou pura e simplesmente deixava de trabalhar com estes produtos. E o que é que ia acontecer? As pessoas iam ficar com os pêros em casa, porque, de facto, falar é muito bonito, mas ninguém avança, nem da parte pública nem dos privados”.
“Para o pessoal que tem grandes ordenados, uma pessoa receber 500 ou 1.000 euros de maçã não é nada, mas para uma velhota que não tem dinheiro para comprar remédios, isso significa muito. E, para mim, isto é economia solidária”, alegou.
“Era muito mais cómodo me dedicar ao mundo espiritual, porque no fundo essa é a minha missão. Acontece que, como diz o Papa Francisco, a gente tem de se envolver com proximidade com a população”, acrescentou.
Porém, admite que a sua opção possa ser controversa. “Claro que eu sei que muita gente vai criticar e outros vão achar que fiz bem, mas assumo tudo isso”, comentou.
O desagrado pode começar, precisamente, de dentro da Igreja, que não estará a par do negócio do padre.
Perguntado se tinha informado a Diocese do Funchal, Rui Sousa disse que não. “Por acaso não falei. Se calhar, a notícia vai calhar um pouco mal para o meu lado, porque achei que não tinha de chatear o senhor bispo com isto. Aliás, isto já estava tomado com o bispo anterior. Tudo isto já tinha sido feito e já era um facto consumado antes da entrada deste bispo. O bispo anterior estava a par do meu trabalho”, afirmou.