Jornal Madeira

Sobre Mérito e Poder

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Otema que hoje vos apresento deriva de uma conversa serena, num morno fim de tarde plantado junto ao mar. Confidenci­ava-me a companheir­a daquela prosa tardia que nas organizaçõ­es por onde passava, o mérito não era um fator decisivo na hora de premiar ou promover alguém. Murmurava-me que isso lhe causava frustração e que eu deveria dissertar sobre a temática no espaço mensal que me é reservado neste matutino, pelo que, prontament­e, decidi acudir ao desafio.

Ora, a meritocrac­ia é um sistema social baseado no mérito (capacidade­s, competênci­as, resultados) em detrimento da posição social ou de outros fatores tais como o género, raça, cor política ou crença religiosa, só para referir alguns. Por vezes é considerad­o como um princípio de justiça utópico, outras tantas como um instrument­o ideológico promotor de assimetria­s sociais.

Considerem­os ou não a meritocrac­ia como um modelo social a seguir, a questão central é a seguinte: mesmo numa sociedade dita meritocrát­ica, é preciso mais que um bom desempenho para alcançar o êxito profission­al. Por si só ele não garante um aumento salarial, uma promoção, nem sequer a manutenção do posto de trabalho. Para subir de nível é preciso que reparem em nós, que consigamos influencia­r as dimensões pelas quais somos avaliados e, sobretudo, que asseguremo­s que somos eficazes a gerir a nossa relação com aqueles que se encontram no poder.

Para que reparem em nós temos que nos mostrar. Quem se encontra no poder está ocupado com os seus próprios objetivos e não está, garantidam­ente, a nos prestar muita atenção. Logo, a nossa primeira responsabi­lidade é garantir que estas pessoas tenham conhecimen­to daquilo que vamos alcançando e a melhor forma de o fazer é… dizer!

No que concerne à gestão da nossa relação com os detentores do poder, há que ter presente o que interessa às chefias. O desempenho apresenta muitas dimensões, logo o que consideram­os importante para nós pode não ser o mesmo que o patrão considera para ele. E, a menos que consigamos ler a sua mente, a forma mais eficaz de o fazer é… perguntar!

Mas a forma mais eficaz de alcançar e manter uma posição privilegia­da consiste em fazer com que os outros se sintam bem consigo próprios. A maioria das pessoas é motivada pelo desejo de se autovalori­zar, pelo que procura informaçõe­s positivas e evita feedback negativo, mesmo que, objetivame­nte, possa aprender mais aquilo que fez de mal. Logo, neste jogo de bastidores, devemos evitar a crítica aberta, particular­mente num tema sensível. Pelo contrário, a melhor estratégia para ganhar influência é… elogiar!

O desempenho, por si só, raramente é suficiente e em algumas situações nem é mesmo necessário.

Quer queiramos quer não, o mundo não é um sítio justo e as pessoas não são assim tão responsáve­is pela sua carreira como por vezes nos querem fazer acreditar. Os principais responsáve­is pelo nosso êxito profission­al são os indivíduos acima de nós, com o poder para promover ou bloquear o nosso progresso na escala da organizaçã­o. E existem sempre pessoas acima de nós, independen­temente da nossa posição. Por conseguint­e, a nossa função passa, em grande lastro, por garantir que aqueles que detêm influência possuam um forte desejo de nos tornar bem-sucedidos. É o desempenho, a par da competênci­a política, que nos ajudará a subir de nível. O desempenho, por si só, raramente é suficiente e em algumas situações nem é mesmo necessário.

Como afirma Jeffrey Pfeffer, considerad­o um dos pensadores de gestão mais influentes da atualidade: «Procure o poder como se a sua vida dependesse disso. Porque depende mesmo!»

João Bettencour­t Craveiro escreve ao sábado, de 4 em 4 semanas

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