‘Legado’ inspira criação de festival
Na fazenda, saboreou-se o pão, os cuscus, o cabrito assado, os torresmos, a cabeça de xara e o leitão. Num saltinho à ribeira, o chef surpreendeu os palatos com truta fumada, graviax de truta e tártaro de truta. Numa incursão pela floresta, a Laurissilva, de que falou Raimundo Quintal, provou-se o licor de uveira da serra e as compotas. A encerrar, já ao pôr do sol, ‘mergulhou-se’ no mar para degustar a cavala, o chicharro, a pota e o gaiado.
A segunda edição do ‘Legado’ terminou ontem com este circuito de sabores que foi também de saberes. Às provas realizadas nos quatro ecossistemas - fazenda, ribeiras, floresta e mar – juntou-se o saber de quem está no terreno e conhece o potencial de produtos, ainda pouco valorizados, que o Terreiro dignifica graças ao ‘engenho e arte’ dos seus chefs.
Isso mesmo foi salientado por Jorge Lucas (técnico da direção regional das Pescas), que sugeriu a possibilidade deste evento, criado em ambiente de restaurante, poder dar origem a um festival. O objetivo seria levar à população em geral uma iniciativa que abre boas perspetivas de diversificação de produtos e de valorização do trabalho dos pescadores madeirenses.
Entre um ‘dentinho’ e outro, os conhecimentos foram sendo partilhados pelos oradores convidados. E alguns segredos foram desvendados. De entre as muitas funções que a floresta Laurissilva tem, Raimundo Quintal deu a conhecer alguns recursos que interessam à gastronomia, como o aipo do gado, uma planta que diz ter grande potencial para uso culinário e é fácil de produzir em sementeira. Nuno Nobre, consultor gastronómico do Terreiro e mentor do ‘Legado’ anotou a dica e passou-a ao chef Carlos Gonçalves. A cenoura da rocha, que o geógrafo se recusou a dizer onde pode ser encontrada, foi outra pista deixada...
Paulo Rodrigues, do Parque Ribeira Primeira, foi outro dos intervenientes. Enquanto o chef confecionava as trutas, fez questão de desmistificar o que diz ser um “mito urbano”. Segundo ele, a ideia de que peixe de água doce não tem sabor é errada e diz mesmo que a truta consegue ser “melhor que o salmão”.
O ‘Legado’ foi também uma oportunidade para dar a conhecer o projeto Cephs & Chefs, que visa desenvolver novos mercados e produtos à base de cefalópodes (lula, polvo, choco), aumentando a rentabilidade da cadeia de valor e contribuindo para tornar os pescadores mais competitivos no espaço Atlântico. Falou sobre o projeto a investigadora Katina Roumbedakis, mas este é também um trabalho que envolve uma cientista madeirense, Cristina Pita (atualmente radicada em Londres), entre outros investigadores. Para surpresa do chef Carlos Gonçalves, o prato de pota que criou para o jantar realizado na véspera vai ser integrado no livro de receitas do Cephs & Cefs.
A terceira edição do ‘Legado’ está já a ser preparada, adiantou ao JM o consultor Nuno Nobre.