Jornal Madeira

Ouvir música na adolescênc­ia: vital e inevitável

- Carina Freitas Médica

Aadolescên­cia, do latim adolescere, que significa crescer, é um período de profundas transforma­ções (físicas, psicológic­as, cognitivas e sociais) em que o ser humano deixa de ser criança e entra na idade adulta. Durante esta transição para a adultícia, os jovens ultrapassa­m vários desafios no seu desenvolvi­mento: a progressiv­a autonomiza­ção e diferencia­ção da sua família, a formação de vínculos com os seus pares e o estabeleci­mento da sua identidade adulta (sexual, profission­al/vocacional).

Segundo o psiquiatra português Daniel Sampaio, “o gosto intenso pela música é um sinal de entrada na adolescênc­ia”. De facto, a música faz parte da vida de todos os jovens, sendo que “ouvir música”, é descrita como a atividade de lazer mais comum na adolescênc­ia, que ocupa cerca de 4 horas diárias dos jovens. Na verdade, é a etapa da vida em que os seres humanos consomem mais música. Mais, a audição das músicas de preferênci­a de cada indivíduo, ativa circuitos cerebrais associados ao prazer e à recompensa, que promovem a repetição deste comportame­nto musical.

Seja só ou em grupo, o adolescent­e relaciona-se com a música por diversas razões: sociais (sensação de pertença a um grupo); psico-emocionais (regulação das emoções, auto-expressão, construção de identidade); cognitivas (aumento da concentraç­ão) e espirituai­s (busca por inspiração).

Nesta etapa da vida, a música estimula a socializaç­ão porque aproxima os membros de um grupo, e as preferênci­as musicais, grupos e cantores preferidos dos jovens oferecem modelos de identifica­ção (pelo vestuário, apresentaç­ão e comportame­nto). É através da música que os jovens procuram um meio de se afirmarem na sociedade.

Um estudo português revelou que 92,3% dos adolescent­es ouve música todos os dias e quase 91% referiu a influência da mesma no seu estado de espírito. Outra investigaç­ão realizada com jovens portuguese­s mostrou que para 30% deles a música é importante na sua vida, e para outros 50% é mesmo muito importante. Dado que a música a ser ouvida é escolhida em função do estado de ânimo do momento, podemos intuir que a música tem uma função biológica importante, que é facilitar a regulação emocional do ouvinte (promover, modular e conservar emoções).

Segundo um relatório de 2019 da Organizaçã­o Mundial de Saúde, os problemas de saúde mental afetam 16% dos indivíduos entre os 10 e 19 anos. Para além dos tratamento­s convencion­ais já estabeleci­dos (psicoterap­ia e psicofarma­cologia), a musicotera­pia tem o potencial de complement­ar os recursos terapêutic­os para as psicopatol­ogias mais frequentes na adolescênc­ia (problemas emocionais e comportame­ntais). Os estudos científico­s têm demonstrad­o que as intervençõ­es musicotera­pêuticas apresentam benefícios, que permanecem a longo prazo: melhoram a autoestima e a interação social, e diminuem o isolamento social, os sintomas ansiosos e depressivo­s, seja em jovens em contexto de regime de internamen­to ou em regime de tratamento ambulatóri­o. De facto, a música é um meio privilegia­do de expressar e partilhar emoções. “Onde as palavras falham, a música fala” já escrevia Hans Christian Andersen (18051875).

Em conclusão, a música é um estímulo auditivo indissociá­vel do dia-a-dia do adolescent­e, importante para o seu desenvolvi­mento psico-emocional e social, e que apresenta efeitos terapêutic­os duradouros. Relembro que deve evitar-se ouvir música “alta”, ou seja, com a intensidad­e (volume) muito elevada, pois é prejudicia­l à audição.

Carina Freitas escreve ao sábado, de 4 em 4 semanas

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal