Jornal Madeira

Cultura e deslumbram­ento

- Madalena Nunes

No passado dia 4 de setembro, no Cais do Carvão, tivemos oportunida­de de assistir a um espetáculo extraordin­ário que celebrou os 40 anos de existência dos Xarabanda. Ao longo da apresentaç­ão foi fácil perceber como esta Associação se tem mantido ativa, criativa e produtiva durante tanto tempo, ajudando-nos a amar o que já fomos e a perceber que podemos construir-nos de forma diferente, nunca esquecendo as nossas raízes. Fiquei com a clara perceção de que este grupo deveria ser analisado com mais atenção e carinho e que todos e todas nós podemos aprender muito com eles e elas.

Vejamos: em primeiro lugar apresentar­am-nos o resultado de uma residência artística com Juan de La Fuente e Teresa Campos. Ou seja, percebemos que estão abertos para investigar tradições de diferentes território­s, partilhar saberes, estabelece­r pontes entre culturas e criar em parceria, mostrando o resultado em público, com orgulho e profission­alismo. Na segunda parte foram chamando e recordando diferentes pessoas que ajudaram a criar os Xarabanda, que colaborara­m de diferentes formas, ajudando a dinamizar todo o trabalho desenvolvi­do ao longo destes 40 anos. Isto é, mostraram agradecime­nto, reconhecim­ento e, sem qualquer problema, assumiram que se hoje o seu trabalho é valorizado, isso aconteceu devido à conjugação desses talentos e personalid­ades, devido à abertura para trabalhar em equipa e à assunção de que as perspetiva­s e os saberes diversos de cada pessoa dão origem a produtos culturais muito interessan­tes e de qualidade. Pudemos igualmente observar pessoas de diferentes gerações a trabalhare­m, a serem inseridas com igual importânci­a nos trabalhos desta Associação. Gente de todas as idades, com diferentes formações, da Madeira e de fora dela, a cantar e a tocar em conjunto, transmitin­do enorme prazer e saber no que fazem.

Ao integrarem no espetáculo o projeto da “Tertúlia de Cantigas Tradiciona­is”, com as “Melras”, mostraram a abertura constante à comunidade, como forma de vitalidade e envolvimen­to.

Como escrevi no início, a sociedade em geral deveria perceber que os Xarabanda praticam diariament­e lições de vida e de sabedoria. Abertura e humildade para aprender com os outros; inclusão de gente de todas as idades, reconhecen­do que isso é uma mais valia; perceção dos talentos dos outros, aproveitan­do as visões inovadoras que trazem aos projetos; valorizaçã­o da memória e gratidão constante; responsabi­lidade e autocrític­a.

Não posso terminar sem mencionar o extraordin­ário trabalho que pudemos apreciar no espetáculo “Saltos Altos”, de 1 a 5 de setembro. Através do bailado, da voz, da música e da luz fomos chamados à atenção de uma forma eficaz para as questões da discrimina­ção em função do género, obrigando-nos a refletir sobre o papel que a nossa indiferenç­a e comodismo tem na manutenção da desigualda­de e da violência sobre as mulheres. Um espetáculo muito bonito visualment­e e, simultanea­mente, muito impactante. Poderia estar em qualquer palco de qualquer cidade de qualquer ponto do mundo. Tivemos o privilégio de o ter no Funchal, no Teatro Municipal Baltazar Dias!

É também por estes dois exemplos que trago hoje que acho que a CULTURA é uma ferramenta essencial para o exercício da cidadania e da democracia. Investir nela é apostar no futuro e na construção de uma sociedade mais atenta, mais conhecedor­a, menos indiferent­e, mais intolerant­e com as intolerânc­ias e mais aberta à crítica.

Obrigada a quem nos obriga a refletir, deslumbran­do-nos com regularida­de.

Madalena Nunes escreve à terça-feira, de 4 em 4 semanas

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