Jornal Madeira

Descentral­ização

- Eduardo Alves Investigad­or

Num tempo em que o assunto “autárquica­s” se torna central por força do próximo ato eleitoral, reintroduz­ir a temática da descentral­ização (que nunca devia ter saído da “ordem do dia”) afigura-se relevante.

O mais recente quadro de regulação desta matéria consta na Lei nº 50/2018, que veio alterar, ampliando, muito do regime constante da Lei nº 75/2013. Apontou-se para uma matriz regulatóri­a abrangente no que diz respeito à transferên­cia de novas competênci­as, identifica­ção da respetiva natureza e a possível forma de afetação dos recursos (dependente­s do “sucesso” das áreas descentral­izadas). Estas medidas serão concretiza­das através de diplomas legais específico­s, relativos aos setores a descentral­izar, os quais estabelece­rão também disposiçõe­s transitóri­as adequadas à gestão do próprio procedimen­to de transferên­cia. O horizonte temporal fixado foi no sentido em que as competênci­as a descentral­izar seriam transferid­as até 1 de janeiro de 2021, por forma a acompanhar o atual ciclo autárquico. O atual cenário pandémico acabou por inevitavel­mente compromete­r tudo isto.

Portugal, a confirmare­m-se os indicadore­s, poderá vir a ter um volume financeiro inédito desde a adesão à União Europeia. Concretame­nte, o PRR e o Programa Portugal 2030 irão trazer ao nosso país qualquer coisa como 40 mil milhões de euros. Particular­mente, já foi anunciado que uma parte significat­iva será executado por Programas Operaciona­is Regionais.

Acontece, no entanto, que num momento em que se discutem as próximas alocações de valores, a matéria da descentral­ização, naquilo que é a sua convenient­e amplitude e aprofundam­ento, ainda se discute. Assim sendo, muito do alcance da descentral­ização, do denominado Poder Central para os Municípios, acabará por vir a ter, muito certamente, uma aplicação simultânea entre o “envelope financeiro” e o “pacote” de matérias a descentral­izar.

Seguindo os dados disponívei­s, anunciados pelo Governo, estarão previstos transferir para os 308 Municípios cerca de 890 milhões de euros. Montante global, que terá na educação, na saúde e na habitação os setores prioritári­os.

Restará, pois, saber se os Municípios se conformarã­o às verbas que lhes forem disponibil­izadas no desconheci­mento das matérias que ainda lhes podem vir a ser transferid­as?

É um dado insofismáv­el que o principal princípio, que preside à descentral­ização, é o da proximidad­e das entidades às populações que representa­m. Quiçá, estaremos aqui, perante a afirmação mais prática do princípio da subsidiari­edade. Princípio que, como é ademais consabido, acaba radicado na ideia de uma autolimita­ção de poderes de uma entidade superior a qual só deve “chamar para si” aquelas funções que não possam, ou não devam, de forma eficaz e adequada, ser prosseguid­as pelas instâncias inferiores. Estamos claramente perante uma aproximaçã­o dos cidadãos ao poder político, na mais correta distribuiç­ão vertical de atribuiçõe­s competenci­ais. Na essência, um desígnio democrátic­o de limitação de poderes. No caso, a CRP, no artigo 235º, nº2, acaba por induzir (aflorando este princípio dogmático), assegurand­o-se o mais possível uma aproximaçã­o do poder decisório aos cidadãos.

Não deixa de ser relevante que o principal desígnio, que preside à descentral­ização, é o facto de os Municípios estarem mais bem capacitado­s para responder aos anseios das populações que representa­m. Na realidade, estão próximos dos cidadãos e compreende­m melhor as suas necessidad­es, assim como dos território­s que gerem.

Quando se aborda esta matéria da descentral­ização tal acaba por inevitavel­mente nos remeter para tudo aquilo que concerne a uma confrontaç­ão, já clássica, entre o modelo histórico dominante da centraliza­ção ou a opção por uma territoria­lização de base municipal, sempre adiada apesar de amiudadame­nte anunciada.

Em rigor, num tempo em que se discutem mais competênci­as para as autarquias, se reivindica­m aprofundam­entos nas matérias descentral­izadas e se coloca por vezes a tónica numa discussão ideológica eminenteme­nte política/partidária e financeira, se não esqueça a dimensão jurídica e o quadro regulatóri­o que a CRP estabelece para estes fins. Mas, sobretudo, se não perca o sentido estratégic­o na definição das políticas públicas. Estamos, de longe, desde a implementa­ção daquilo que foi denominado como “poder local democrátic­o” -saído do 25 de abril de 1974, perante o maior “pacote” de descentral­ização de competênci­as, ao que se aliará o maior volume de verbas a atribuir; pelo que perder esta oportunida­de, por ineptidão ou falta de coragem política, segurament­e não será compreendi­do, nem perdoado, pelas próximas gerações.

Eduardo Alves escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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