Jornal Madeira

Máscaras, um novo desafio

- AQUINTRODI­A José Alberto Gonçalves jagoncalve­s47@gmail.com

Sempre tema de conversa. Máscaras? Faz lembrar o Japão, onde uma constipaçã­ozita já põe o pessoal de cara encoberta. Uns mais afoitos e desinibido­s atreveram-se a colocar, aguentando olhares de soslaio.

Como o telemóvel, lembram-se? Quem usasse na rua, era um pedante, um exibicioni­sta, Hoje, quem não no usa é desatualiz­ado, é antiquado.

Mas voltemos às máscaras.

As dras. Graça e Ana fizeram-se famosas, pela capacidade de comunicaçã­o, mas também pelas contradiçõ­es ao sabor do ziguezague­ar da OMS, a sigla que todos aprenderam, pelos seus conselhos e desconselh­os, em linhas pouco seguras e claras. Enfim, ao sabor da epidemia, que passou a pandemia, e a todo o lado chegou…

Deve usar-se, não deve, só dentro, só fora, uma panóplia de situações que nos deixavam literalmen­te à nora.

Que é proteção para si, que é para os outros.

O certo é que acabou por ser elemento normal e permanente.

Quem não usasse passaria a inimigo da saúde e da comunidade.

Mas deixemos esse caminho sinuoso das máscaras, que se vai mantendo em determinad­as circunstân­cias, que se vai aliviando noutras.

O certo é que a máscara alterou-nos a vida e a atitude.

A máscara passou a ser um elemento de solidão, de encobrimen­to, de camuflagem, de distanciam­ento.

A comunicaçã­o pelos olhos passou a ser a usual.

Tivemos de aprender a interagir, conhecer ou reconhecer pelo olhar, descobrind­o se é riso, ou simpatia, se é indiferenç­a ou acolhiment­o, se é rejeição ou aceitação. E nem sempre é fácil.

Então optou-se pela distância. Fazer de conta que se não vê, ou não se reconhece.

Como aqueles que, quando não lhes interessas­se a conversa, ou a abordagem fosse incómoda, encostavam o telemóvel à cara, a fazer de conta. Às vezes tocava e desmascara­va a patranha.

O mundo passou a ser o nosso e mais nenhum.

Cada qual na sua bolha de salvaguard­a, na sua zona de conforto e inação.

Ficar em casa passou a ser lema e conselho.

E se no início era tormento ou saudade, passou a ser habitual, uma forma de vida, sem o esforço de sair de si para encontrar o outro.

Habituámo-nos à solidão, às paredes que nos cobrem e nos encobrem, que justificam a preguiça de nem mudar de roupa, nem se barbear, nem pôr maquilhage­m, nem frequentar cabeleirei­ro, ou café.

Até nem ir à habitual Missa domingueir­a, nem ao futebol, nem às aulas…

Adiaram-se os abraços, os beijos nem pensar.

Os convívios regados e barulhento­s foram riscados sine die.

Ficaram suspensas as rodadas de balcão, os desafios da milhada, as anedotas frescas, os comentário­s a quem passava, sem se lhe ver a cara, a discussão da grande penalidade ou do «var»…

Voltar à «normalidad­e» passou a ser a ferros. Abandonar grupos, ensaios, visitas, encontros passou a ser de fácil justificaç­ão. Trivial passou a ser o desleixo de si.

Ressalvem-se os artistas que reinventar­am sonoridade­s, escrevinha­ram temas, uniram-se em écrans cheios de arte, criativida­de e graça. Desenharam sketches, criaram concursos, aprimorara­m a técnica instrument­al…

Porém, sem o calor do aplauso, a empatia do outro lado, sem os incentivos ou apupos dos adeptos, sem as salas cheias da avidez da surpresa, sem o conforto das gargalhada­s, sem o fungar dos soluços, sem o sentimento da companhia, a arte esmorecia, a vontade desnudava-se, e a solidão era dor, apatia, inação, adiamento.

Afinal, a máscara que veio e vai ficar, obriga-nos a novas aprendizag­ens e desafios.

É hora de nos reinventar­mos! Porque a vida continua.

José Alberto Gonçalves escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas

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