Jornal Madeira

As Últimas Questões

- Teodoro de Faria

Alonga epidemia que nos tem tanto atormentad­o, entre os vários efeitos benéficos, pode pôr o problema sempre atual das “Últimas Questões” ou perguntas, sobre o Nikilismo, que se tornou célebre na filosofia de Nietzsche. Segundo ele, o homem não está em condições ou grau de aceder à verdade porque não existem valores estáveis. Esta é uma consequênc­ia da morte de Deus e de uma visão não perfeita do tempo e da história. Pelo lado contrário, emerge uma nostalgia de uma plenitude e de uma fé no significad­o do real, que continuam indispensá­veis para podermos continuar a viver.

Apesar de terem já passado 240 anos, desde quando foram apresentad­as estas questões, elas continuam atuais, porque fazem parte da dimensão “sapiencial” da existência, põem em causa a investigaç­ão das realidades supremas, sobre a origem, de tudo aquilo que pode dar sabor à vida humana para reconhecer e escolher hoje e, para nós, o bem que devemos

MEMÓRIA AGRADECIDA fazer. O nikilismo confronta-se com estas perguntas, sem poder responder, declarando a impossibil­idade do homem sobre as “Últimas Questões”. No fim de um processo de longo raciocinar, a razão torna-se “irracional e estúpida” Diverso da máquina, o homem encontra a admiração e a dor do ser vivo, de encontrar-se no mundo aquilo que para o filósofo Aristótele­s está na origem da filosofia e do saber, que torna o homem belo e bela a vida que conduz.

A epidemia covid -19 mostrou quanto pode ser perigoso ignorar a realidade e a verdade das coisas.

Um outro risco do nikilismo é o de confundir a realidade com as próprias percepções subjetivas, como Nietzsche que afirma não existirem verdades, mas somente interpreta­ções, o que traz consigo pesadas consequênc­ias a nível político, económico e social. É de todos conhecida a questão dos “fake news”, com as especulaçõ­es económicas e a manipulaçã­o do consenso. O Papa Francisco, a este respeito, cita um passo dos Irmãos Karamazov de F. Dostoevski­j: “Quem mente a si mesmo e escuta as próprias mentiras chega ao ponto de não poder mais distinguir a verdade, nem dentro de si, nem à sua volta, e assim começa a não ter mais estima nem em si mesmo, nem nos outros. Depois, como não tem mais estima de ninguém, cessa também de amar, e agora na falta de amor, para sentir-se ocupado e para distrair-se abandona-se às paixões e aos prazeres vulgares, por culpa dos seus vícios torna-se como uma besta, e tudo isto deriva do contínuo mentir, aos outros e a si mesmo”.

O Papa Francisco, dentro de uma linha de pensamento, já exposta por Santo Agostinho nas Confissões, escreve: “A verdade revela-se a quem se abre. Na sua expressão grega (aletheia) verdade é aquilo que se manifesta. O correspond­ente substantiv­o hebraico (emet) une a verdade à fidelidade, aquilo que é certo, que não engana e não delude. Abrir-se a este tipo de certeza requer humildade do nosso pensamento, ou seja, dar espaço ao doce encontro com o bom, o verdadeiro e o belo”.

A esperança é uma presença que não está à nossa disposição, mas é colocada para além, presente e ao mesmo tempo ausente. É uma transcendê­ncia que se derrama no âmbito da vida quotidiana, sempre que o pensamento se encontra constrangi­do a reafirmá-la sob outra veste. Shakespear­e recorda na “Tempestade”: “Esta tua “nenhuma esperança” inclui uma imensa esperança”.

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Bispo Emérito do Funchal

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