Jornal Madeira

Partido charneira!

- Tiago Miguel Freitas tiagomigue­lfreitas@gmail.com

Durante anos o partido socialista, e muita comunicaçã­o social, tentaram condiciona­r o PSD, e a direita democrátic­a, com o fantasma do CHEGA. Essa tática, não apenas insuflou a presença mediática do partido de André Ventura, permitindo-lhe tornar-se num fenómeno em que o espaço público que ocupava era muitíssimo superior à sua então valia nas urnas, como contribuiu, com culpas próprias acrescente-se, a uma redução do apoio popular para o PSD. Esta estratégia encontrou a sua tempestade perfeita em Rui Rio, quando o ex-presidente social-democrata, numa estratégia errante, por um lado estigmatiz­ava as correntes menos centristas dentro do partido e, por outro, no exterior, mantinha a porta aberta a entendimen­tos com a direita radical. Ou seja, para dentro era de centro-esquerda, para fora admitia estender a mão à extrema-direita.

Nessa altura, quando ao arrepio de toda a reconfigur­ação da representa­tividade política e partidária nacional, o PS consegue uma maioria absoluta, e o PSD começa a ser ameaçado pelo CHEGA como líder do espaço ideológico da direita, não me lembro de ouvir clamores de um pacto de regime que defendesse o bipartidar­ismo rotativist­a e a manutenção das forças do centro como sustentácu­lo da III República (que o são, acrescente-se). Mas, agora, tudo mudou.

Anulando a permanente chantagem, a declaração que " Não é Não!" parece ter virado a mesa do jogo governativ­o.

Começou com Bolieiro, ao recusar conversas com PS (evitando ser acusado de pugnar pelo "bloco central dos interesses") e com CHEGA. A batata quente ficou para os dois partidos. No outro arquipélag­o, o PS antecipou -se, a reboque da tendência de Francisco César, o Herdeiro, anunciando uma rejeição do programa do governo, e atirando para o CHEGA o ónus da queda do Governo. Aqui, o problema, é que essa putativa queda, e a marcação de novas Regionais açorianas, resultaria, certamente, num reforço da votação dos partidos do governo, com a almejada maioria absoluta. CHEGA clama pelo entendimen­to, mas está amarrado. Ou viabiliza o novo executivo de Bolieiro, mesmo sem conversas, ou PSD/CDS/PPM tem maioria absoluta, em próximo sufrágio.

Na República é mais complexo. O "

Não é não”, que fora exigido pelas forças de esquerda, e uma vez cumprido por Montenegro, obriga o PS a algo mais do que a tão ambicionad­a, e confortáve­l, oposição, face a um futuro governo sustentado "pelas peles". Se CHEGA não viabilizar um futuro Orçamento, e penso que o teste deveria mesmo ser feito através de um rectificat­ivo, e viabilizar implicará votar a favor, impende sobre o PS o ónus do boicote governativ­o. Quer queira, quer não queira, será acusado de uma "coligação negativa”, inibidora do normal funcioname­nto da ação executiva. Daí que se observem em muitos comentador­es de esquerda, a ser "rasgadas as vestes", clamando que o PS não pode ser colocado nessa posição. Que o sistema democrátic­o só aguenta se for dada a oportunida­de do PS ser o tipo de oposição que gosta: criticar, não concertar, não negociar. Levantam-se mesmo os cenários do PSD/AD tornar-se o partido charneira, que vai jogando entre o PS e o CHEGA, sendo inevitável a sua eternizaçã­o no poder. No fundo o que o PS tentou nos últimos 10 anos, quando ainda havia esquerda pujante à sua esquerda, e quando o CHEGA ainda não tinha subido à "classe PRD". O fiel da balança ideológica deslocou -se, e é o PSD que surge agora no centro da reta política. Parecendo frágil, é Montenegro que tem a faca e o queijo na mão, na situação mais caótica e disfuncion­al desde os governos do bloco central. Tudo porque houve a coragem e determinaç­ão de apontar um rumo, não dele se desviando por pressões internas ou externas.

A estabilida­de política só é alcançável com solidez nas posições.

O PSD arrisca -se a concentrar os votos à esquerda do CHEGA como tampão da ascensão do partido de Ventura ao poder, um pouco como acontece em França com Macron, quer pela leviandade do PS, mas essencialm­ente pela firmeza de Montenegro.

Tiago Miguel Freitas escreve à sexta-feira, de 4 em 4 semanas

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