“Não rejeitar programa
Porque o PS já expressou que não vai obstaculizar a aprovação do Programa de Governo, por antecipação Montenegro ‘cobra’ que quem aprova concede os (quatro) anos para a respetiva execução.
Está já empossado o XXIV Governo Constitucional liderado por Luís Montenegro, o primeiro diferenciado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa que, na Sala dos Embaixadores do Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, 23 dias depois das eleições legislativas antecipadas de 10 de março, conferiu também depois posse a cada um dos 17 ministros do Executivo minoritário formado por PSD e CDS-PP, partido este que, a nível de ministérios, contribuiu apenas com o seu líder, Nuno Melo.
E logo à cabeça, tendo como referência precisamente essa maioria tangencial e, por isso, também bastante vulnerável, o novo primeiro-ministro tentou, na sua oratória inicial nesta condição, chamar já à coação a oposição, mormente o partido Socialista, defendendo que não rejeitar o Programa do Governo no Parlamento “significa permitir a sua execução até final do mandato” ou até haver uma moção de censura, desafiando o PS a dizer se será oposição ou bloqueio democrático.
“Não rejeitar o Programa do Governo no Parlamento não significa apenas permitir o início da ação governativa. Significa permitir a sua execução até ao final do mandato ou, no limite, até à aprovação de uma moção de censura”, defendeu Luís Montenegro, no discurso de tomada de posse.
Na sua intervenção, o primeiro-ministro afirmou que “o Governo está aqui para governar os quatro anos e meio da legislatura” e “não está aqui de turno” nem para “fazer apenas o mais fácil”.
“Não estamos interessados em jogos de semântica ou em politiquices estéreis. Se este Governo, como espero e sei que é o desejo dos
portugueses, tiver a sua investidura parlamentar e assumir a plenitude dos seus poderes, vai começar desde já a programar e executar reformas estruturais que mudem o País”, considerou. Por isso, defendeu: “A investidura parlamentar, nestas circunstâncias, só pode significar que as oposições vão respeitar o princípio de nos deixarem trabalhar e executar o Programa de Governo”.
“Não se trata de uma adesão a esse programa, mas antes de saber se há um bloqueio à sua execução (…) Não rejeitar o Programa do Governo com certeza que não significa um cheque em branco, mas também não pode significar um cheque sem cobertura”, disse.
“Apesar da sua legitimidade em se constituir como fiscalizador da ação do Governo e em alternativa futura, que compreendemos com total respeito democrático, deve ser claro e autêntico quanto à atitude que vai tomar: ser oposição democrática ou ser bloqueio democrático”, considerou. Assegurou ainda que tal será dito aquando da discussão do Programa do Governo na Assembleia da República. “Mas por lisura de princípios e lealdade institucional, deve também ficar dito
neste ato solene, porque encerra a responsabilidade que cada um está disposto a assumir”, afirmou.
Montenegro garantiu a Marcelo que “contará da parte do Governo com uma inamovível conduta de colaboração positiva e de cooperação institucional” e defendeu que a política não pode agravar os problemas já existentes no contexto nacional e internacional.
“Depois de termos tido duas interrupções de legislatura em dois anos, numa altura em que temos perto de nós dois focos de guerra, em que temos o desafio de executar o mais volumoso plano de investimentos desde a adesão à União Europeia, em que enfrentamos um elevadíssimo nível de pobreza em praticamente metade da nossa população e numa altura onde o Estado não responde adequadamente aos cidadãos no acesso a bens essenciais como a saúde, a educação ou a habitação, será imperdoável que a política se constitua como agravante e não como solução para tantos problemas”, considerou.
Montenegro prometeu “humildade, espírito patriótico e capacidade de diálogo” da parte do Governo e disse que é também o que espera das oposições, citando a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen. “A nossa democracia, que celebra neste mês de abril 50 anos, está viva. Honremos a ‘madrugada’ que Sofia esperava e saibamos construir o ‘dia
inteiro e limpo’ que ela vislumbrou, para ‘livres habitarmos a substância do tempo’”, disse, apelando à “maturidade e grau de compromisso de todos” com a vontade dos portugueses “de mudança política”.
Recorde-se que PCP, muito antes de o conhecer, já anunciou a intenção de apresentar uma moção de rejeição ao Programa do Governo, que dificilmente será aprovada, uma vez que o PS indicou que não viabilizará esta ou outra iniciativa para impedir o Executivo de entrar em funções.
Marcelo apela ao diálogo
Pelo lado da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa prometeu "apoio solidário e cooperante" ao novo Governo, tal como diz ter sido no anterior, considerando que se exige "diálogo aturado" para aumentar a sua base de apoio. Ou seja, "não conta com o apoio maioritário na Assembleia da República, e tem de o construir, com convergências mais prováveis em questões de regime: política externa, de defesa, europeia, financeira de repercussões internacionais ou de compromissos eleitorais semelhantes", defendeu.
Segundo o chefe de Estado, "para convergências menos prováveis, noutros domínios, o diálogo tem de ser muito mais aturado e muito mais exigente" e "para decisões como reformas estruturais ou orçamentos do Estado essa exigência é ainda de mais largo fôlego".
"Conta, para tudo isso, de um apoio popular que lhe deu a vitória, mas para o qual terá de conquistar muito mais portugueses, ou porque próximos nas ideias ou porque convencidos que o trabalho que faz merece esse apoio alargado", acrescentou.
Antes, o Presidente da República referiu-se à conjuntura internacional, sustentando que "está pior em 2024 do que em 2023, e pode piorar, dependendo da influência das eleições norte-americanas nas guerras", que poderão ter efeitos "na economia, no crescimento, na inflação e nos juros".
Marcelo Rebelo de Sousa disse que isso condiciona o mandato do Governo, "porque o mais importante depende de outros", mas realçou que há muito que depende de Portugal e pediu que não se crie problemas onde não existem.
"Podemos ter bom senso e fazer na Europa e no mundo o que resolva problemas e não os agrave e manter a coerência e a credibilidade política e financeira que tanto trabalho nos tem dado a criar e a recriar ao longo de anos de democracia", apontou.
"Onde não temos problemas não os devemos criar, como no consenso sobre mais crescimento, investimento e exportações, no equilíbrio das contas públicas, na atenção à dívida externa, pública e privada, no aproveitamento das vantagens da segurança e certezas nacionais perante a insegurança e incerteza internacionais", afirmou também Marcelo Rebelo de Sousa.
António Costa esteve na passagem de testemunho, e à margem anunciou que deu instruções ao advogado para apresentar um requerimento que lhe permita ser ouvido “com a maior celeridade” pela justiça para “esclarecer qualquer dúvida” e qualquer suspeita.