Regresso das urgências noturnas dá nova vida à costa norte
Mais de uma dezena de anos depois, os centros de saúde de Santana e do Porto Moniz voltam a funcionar durante a noite, já do dia 30 de abril para 1 de maio. A população está, naturalmente, satisfeita e diz que o fecho nunca deveria ter acontecido.
O sol aquecia a zona norte da Madeira, no dia em que a nossa equipa de reportagem se deslocou até Santana e Porto Moniz para ouvir a opinião dos residentes sobre a anunciada reabertura, durante a noite, dos centros de saúde concelhios. Foi a 11 de abril deste ano que o presidente do Governo Regional, na qualidade de líder do PSD e num encontro com militantes da concelhia do Porto Moniz, anunciou que as urgências retomariam o atendimento durante 24 horas. Tanto ali, como em Santana. E o Jornal foi ouvir aquilo que os residentes em ambos os concelhos têm para dizer sobre esta decisão.
Começámos por Santana, onde
Celina Silva nos disse que já sabia da novidade porque o presidente da Câmara Municipal, Dinarte Fernandes, fez um vídeo e colocou a circular na internet, com a informação tão desejada.
“Fiquei muito, muito contente”, desabafou.
“Acho que é uma mais-valia para a população da zona norte. Há situações que, seja de dia ou de noite, não dá tempo de chegar a Machico”, sublinhou Celina Silva, dando o exemplo do caso de uma conhecida empresária local que se sentiu muito mal e só não morreu porque o centro de saúde ainda estava em horário de funcionamento (encerra às 22 horas até ao próximo dia 29 de abril).
“Se o centro de saúde não estivesse aberto, essa senhora tinha morrido. A sorte é que o médico ainda estava no serviço e a indisposição aconteceu antes das 21h30”, afirmou ainda Celina Silva. Durante estes mais de 10 anos em que as urgência de Santana não funcionaram durante a noite, teve de se deslocar, várias vezes, às urgências do Centro de Saúde de Machico. “Isto quem tem idosos em casa, tem que avançar”, contou. Ao longo deste tempo, diz que pelo menos por duas vezes teve de se deslocar, durante a noite, para o Centro de Saúde de Machico, onde confirma que foi bem atendida. No entanto, “a doença não era grave ao ponto de a pessoa poder morrer pelo caminho”. Se fosse, “não sei lhe dizer se o resultado teria sido esse. Ou seja, se teria corrido bem como aconteceu”.
Uma outra santanense, que nunca precisou de se deslocar a Machico durante a noite, também aplaudiu a medida. Disse que estava a ter conhecimento da reabertura das urgências do Centro de Saúde de Santana através do Jornal e que tinha ficado agradavelmente surpreendida. “Nunca precisei, mas posso vir a precisar e acho muito bem. Com a saúde não se brinca”, frisou Ana Silva que se fazia acompanhar de uma mulher mais velha – Conceição Cassiano - que também nunca necessitou de cuidados médicos durante a noite. “Graças a Deus nunca foi preciso sair de casa de noite para ir ao médico”, disse, enquanto olhava para o céu em jeito de agradecimento.
De bengala na mão, a mulher referiu-nos que é doente mas, todas as vezes que precisa de médico, felizmente, tem resolvido durante o dia ou dentro do horário de funciona
mento do centro de saúde, que vai até às 22 horas.
Quem estava mesmo bastante satisfeita era Rosa Pio. Frequente assídua das urgências por causa de um AVC de que foi vítima há uns anos, esta mulher diz que perdeu a conta de quantas vezes teve de ir, de táxi, ao Centro de Saúde de Machico. E garante que por cada viagem pagava 40 euros. “Era a gasolina e a espera”, justificou o valor. “Quantas vezes eu fui…nem sei lhe dizer. Agora, fico tão contente”, adiantou enquanto se debruçava sobre a bengala e mostrava a mão com artrose. “Não me aguento desta mão”, desabafava do alto dos seus 75 anos.
Por entre um e outro depoimento, alguém confidenciava, num dos cafés próximos, que é de lamentar que os médicos, enfermeiros e assistentes sociais vão trabalhar, mas o pessoal administrativo está sem plano.
Por outro lado, garantiam-nos também que, após tantos anos, fechados, nem todos estão contentes de voltar a fazer horário noturno. Isto porque os funcionários, sejam de que profissão for, envelheceram e já não têm idade para voltar ao passado. Já no Porto Moniz, o centro de saúde estava vazio. À volta também não se encontrava alma.
Mas junto à autarquia, o antigo presidente da Junta do Porto Moniz não foi brando nas suas palavras. Recordou-nos que a medida foi tomada quando o secretário regional com a tutela da Saúde era Francisco Jardim Ramos e garantiu que, na altura, protestou de forma veemente contra a decisão de encerrar as urgências. Chegou a ser mal educado, como admite e, graças a isso, teve um processo em tribunal. Já não se recorda da pena que apanhou mas tem ideia de ter sido dois anos de prisão com pena suspensa. Afirma que as urgências nunca deviam ter
encerrado e, por isso, vê com bom grado a reabertura do serviço durante a noite. Só desconfia que esta é uma medida eleitoralista. Ainda assim, diz que vai aguardar para
ver até quando dura. Admite que o Porto Moniz tem pouca população, mas reforça que há muitos idosos. “E quando dá um ataque cardíaco, quanto mais rápida for a intervenção,
melhor para sobreviver”, diz, dando razão ao provérbio que ‘de médico e de louco, todos temos um pouco’.
Celestino de Castro, encostado à porta de um prédio paredes meias com a Câmara Municipal do Porto Moniz, também lamenta a decisão tomada há mais de uma década. Diz que se lembra como se fosse hoje. “O presidente da Câmara da altura veio para a porta da Igreja para dizer que não se justificava ter o centro de saúde aberto. Mas qual a razão? Por estar uma ou duas semanas sem aparecer ninguém lá durante a noite? Olhe, ainda bem que não aparece. Mas se tiver que aparecer e o médico salvar uma vida, é algo muito bom”, atira.
”Para mim e para todos os utentes, é muito bom. Somos uma população muito idosa”, dizia-nos Conceição Maia, enquanto olhava para o mar.
Ainda assim, esta residente no Porto Moniz (centro) até acha que não era das mais prejudicadas. Quem vive nas Achadas da Cruz e na Santa, Lamaceiros, por exemplo, tinha ainda mais dificuldades para chegar às urgências de São Vicente.
“Até que a gente chame para os bombeiros e que eles cheguem ao pé de nós para nos levarem ao centro de saúde, muita coisa acontece”, destaca em declarações à reportagem do Jornal.
Por isso, quanto mais próximo estivermos do centro de saúde, melhor!”, apontou, considerando que uma verdadeira urgência implicava que o percurso feito até São Vicente fosse um verdadeiro calvário. “Isto não é bom apenas para os que vivem cá. É bom para os turistas. Os turistas também adoecem, caem. Têm situações imprevistas”, considerou ainda Conceição Maia.