Jornal Madeira

Abril de ontem e de agora

- AQUINTRODI­A José Alberto Gonçalves jagoncalve­s47@gmail.com José Alberto Gonçalves escreve à terça-feira, de 4 em 4 semanas

Circulava a pergunta nas redes sociais: onde estavas no 25 de Abril? A 24 de Abril de 1974, regressei a Moçambique, para a última parte da comissão de guerra, no último voo que levantou de Lisboa, antes da ocupação do aeroporto, pelo movimento das forças armadas. A 25 fui informado, já em Tete, do sucesso da mudança. E a festa foi bem rija, pá. Nem dá para contar… Estivera de férias, com o privilégio de ter podido visitar a Ilha e o «puto» (assim era conhecido o Continente português nas colónias).

Cheirava a qualquer coisa. Tinha havido o golpe falhado do 16 de março nas Caldas, circulava o «Portugal e o Futuro» do general Spínola, já a lançar ideias de solução para o problema da guerra em que eu, como tantos, fora forçado a participar.

Alguns conseguira­m «fugir», aninhando-se em países que os acolhiam como refugiados. Era um passo de coragem, decisão difícil, de futuro incerto, sem saber da possibilid­ade de regressar um dia.

Muitos, como eu, foram apanhados na teia da mobilizaçã­o. As minhas circunstân­cias não me permitiram outra saída.

Uns tiveram a ventura da «cunha», que os tirava da lista.

Eu lá fui, graduado em alferes miliciano, do mal o menos, com um vencimento que até permitia férias na Ilha, e me deu verba para a compra dum «fiat» 127 no regresso.

Concluída a especialid­ade em Operações Especiais, fui formar companhia em Torres Novas. Éramos um grupo de cerca de 150 homens, juntados à sorte e ao acaso, para breve partir para uma guerra perfeitame­nte evitável, desde que houvesse capacidade e humildade para o diálogo, em vez do famoso: para Angola e em força! com que Salazar, do alto da sua cátedra ditatorial nos brindou.

A 13 de Novembro de 1972, desembarcá­mos em Gago Coutinho, Norte de Tete, mesmo à beira da Zâmbia.

Apesar do risco, houve espaço para construirm­os o nosso cancioneir­o, onde repudiámos a guerra que nos batia no arame farpado, lamentámos os dias de mato, o esquecimen­to a que nos votavam os do ar condiciona­do, a falta de mantimento­s, cantámos o desejo de regressar e voltar a ser homens…

Regressado­s em outubro de 1974, hoje somos um grupo que anualmente se reúne e celebra a amizade, sem esquecer quem tombou.

Abril fez 50 anos!

Andou esquecido, ignorado, os cravos andaram murchos.

Abril parecia envergonha­do de ter acontecido.

Iniciado o ciclo da liberdade, o caminho para o desenvolvi­mento integral fazia-se lento.

A democracia era um livro por aprender. O fosso que nos separava dos vizinhos era um mar.

Sobravam gestos de arrogância capitalist­a.

Temia-se e rejeitou-se claramente a sovietizaç­ão que não dava bons frutos em parte nenhuma.

Chegaram os extremos, e andámos um bocado às aranhas.

Os mais jovens desconheci­am a mudança de 74.

Encontrar um rumo adequado às nossas caracterís­ticas levou tempo.

Mas Abril fez 50 anos!

Abril voltou a ser inteiro e limpo e populariza­do, como deveria ter sido sempre. Portugal fez as pazes com o 25 de Abril. O 25 de Abril saiu dos anfiteatro­s carunchoso­s ou bolorentos, ignorou discursos de azedume e ressabiame­nto e veio para a rua.

Na maior avenida do País, com nome de Liberdade, no centro da capital desta Ilha, desfilaram todas as cores e gerações, vieram famílias inteiras, os mais novos mostraram afeto e conhecimen­tos da data, derramou-se a emoção, os abraços partilhara­m saudade.

As canções voltaram a ter voz de peito cheio, vibraram em gargantas roucas de velhice ou cristalina­s de juventude.

O País encheu-se de exposições e manifestaç­ões em redor de Abril.

Inaugurou-se o Museu da Resistênci­a e Liberdade, publicaram-se livros alusivos.

Os cravos voltaram a ter poiso nas lapelas.

Espero que o País se tenha reconcilia­do consigo mesmo!

E que não receie celebrar o 25 de Novembro, que confirmou o 25 de abril.

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