EM NOME DE BEATRIZ
Começamos esta entrevista a Paula Lobo Antunes com a letra “Beatriz”, de Chico Buarque. É certo que muitas músicas poderiam fazer de banda sonora às palavras da Mulher MH desta edição, mas hoje nenhuma outra lhe assentaria tão bem, como perceberá mais à frente. Conheça, então, a mulher por trás dos seus papéis de atriz… O que é ser atriz? Ser atriz ou artista não é bem uma profissão, é um estilo de vida, um amor, uma atitude e uma aprendizagem constante. Acho que é uma profissão que não tem prazo, pois existem personagens de todas as idades. Eu penso nesta profissão como uma maratona, em que temos que continuar nela e manter a nossa cabeça pragmática, sã de forma a corrermos esta prova até ao fim.
“Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel E se eu pudesse entrar na sua vida”
Nunca te arrependeste de não chegar a exercer Biologia Médica? Não acredito em arrependimento. Principalmente para um ator, todas as experiências que vivemos e que aprendemos contribuem não só para as nossas vidas, mas também para ter mais ferramentas para a trabalhar como atriz.
Mas quando é que te sentiste atraída pela representação? Sempre quis ser atriz, foi sempre uma arte que me fascinou. Chegou uma altura na minha vida que quis ser tanta coisa, fazer tantas coisas, e realmente ser atriz poderia possibilitar-me ser tudo isso. Advogada, gestora, economista, médica, cantora, dançarina. Onde é que encontras a motivação? Estou sempre a pensar que o próximo papel vai ser o papel da minha vida. Tenho tido a sorte de interpretar personagens muito diversas, desde kick boxer, pescadora, empregada, cabeleireira, personagens de época. Mas espero fazer muitas e estar bem preparada para que as pessoas possam acreditar nas personagens que interpreto. Quero que as pessoas reconheçam o meu talento por isso e não propriamente pelos likes que tenho nas redes sociais.
Um ator deve estar sempre disponível do ponto de vista físico e emocional para as personagens? É importante encarar esta profissão como sagrada, de uma nudez espiritual e psicológica.
Qual é a tua mais-valia enquanto atriz? A minha determinação e profissionalismo. Tenho um rigor e uma abordagem muito específica. Respeito muito todos os meus colegas, desde atores a técnicos. Tenho um enorme grau de exigência comigo e espero que as pessoas à minha volta também tenham a sua exigência e que sejam profissionais. Depois vem o talento e a sorte, mas é muito importante termos o nosso rigor, profissionalismo e o respeito pela arte de representar.
Fala-me de outras paixões… Tenho várias, desde a paixão pelo Benfica ao imenso gosto pelo surf, bodyboard, estar na praia, viajar... Tenho uma paixão imensa pela minha família e pelos meus amigos. Não seria nada sem eles. Completam-me! Depois, claro, tenho uma enorme paixão pela minha profissão: ver filmes, teatro, séries, musicais, dança…
O desporto faz-te ter uma melhor relação com o corpo? Sinto-me bem como sou. Já conheço bem o meu corpo e sei o que posso e o que não posso fazer. Tento ter uma imagem neutra para a adequar às personagens que vou fazendo e sentir-me saudável e apta fisicamente para as desempenhar. No dia a dia procuro manter as minhas rotinas de treino e de alimentação, mas não entro em obsessões. Se me apetece comer uma pizza como e depois se tiver de ir para o ginásio vou. Quero ter um corpo e uma mente saudável e estar essencialmente bem comigo própria e sentir-me capaz de correr e brincar com a minha
filha. Quero que as pessoas me vejam como alguém atingível, com uma imagem verdadeira, que não recorro a cirurgias.
Por falar em desporto, consideras que se dá demasiada importância ao corpo das atrizes na atribuição de determinados papéis? Acho que o importante é ter uma imagem que se adeque às personagens, e eu faço muito isso. Por exemplo, quando fiz de kick boxer trabalhei o meu corpo para isso. Treinei com a Dina Pedro, a minha mestre de kick boxing, e fiquei com um corpo muito musculado. Na personagem da novela Mulheres, em que fazia de Diana, uma mulher que corria, resolvi começar a correr. E nunca o tinha feito. Comecei a treinar e fiz a maratona pela Make a Wish, que foi uma experiência incrível. Percebi aí que a corrida tem mais de esforço mental do que físico.
Como é que te defines enquanto mulher? Sou uma mulher muito prática, genuína, com enorme sentido de lealdade para com a minha família e amigos. Descrevendo-me, sou uma mulher alfa-femmel. Forte, capaz e amiga. Por outro lado, senti-me mais mulher depois de ser mãe. Já fui muito vaidosa. Hoje já sou uma mulher confiante, o que abafa essa vaidade e alguma insegurança que tinha.
O IMPORTANTE É NÃO DEIXAR QUE O AMOR SE TRANSFORME EM INDIFERENÇA. ALIMENTÁ-LO PARA QUE RENASÇA E
VOLTE A CRESCER.
E acreditas no amor para toda a vida? Considero que existem vários tipos de amor: seja pelos filhos, pelo companheiro, pelos pais, pelos amigos, pela profissão. É um sentimento e uma energia que vive dentro de nós, que vamos transmitindo em tudo o que fazemos. Acho que é importante que o amor exista, com os seus diferentes níveis, de diferentes maneiras. Mas, acho que sim, o amor é para toda a vida. Temos que o alimentar e fazer com que ele aumenta e que se transmita aos outros, para que os outros também o transmitam. O amor é vital para o ser humano.
Acredito que esse amor se agigantou depois de seres mãe. No que é que mudaste com a maternidade? Aprendo muito com a minha filha, sobretudo a relativizar as coisas e a dar valor ao que realmente importa. Aprendi a ser mais confiante, calma, tolerante e sábia. Aprendi a não stressar com as coisas pequenas. Amanhã é outro dia, o sol põe-se, o sol nasce e nós temos que continuar. Aprendi a ter responsabilidade de criar um ser que não pediu para vir ao mundo e está cá. E é nossa responsabilidade. Enfim, percebi o verdadeiro significado da vida.
Que características tuas encontras na Beatriz? Sentimento de responsabilidade para comigo e uma responsabilidade cívica e de solidariedade para com os outros que é muito importante. O trato, o respeito e o honrar os nossos compromissos. Ter um orgulho naquilo que somos e fazemos e também aprender com os outros. Que a humildade é muito importante. Que devemos fazer o nosso melhor para conseguirmos ser felizes, seguirmos a vida de consciência tranquila, por nós e pelos outros, e que os outros se sintam bem à nossa volta.
Quando ela for mais crescida, como é que lhe vais explicar quem foi o avô (João Lobo Antunes)? Que o meu pai foi uma pessoa muito justa, de uma compaixão tremenda e uma compreensão infinita. Aliás, ele ensinou-me muito isso. Ensinou-me que nenhum trabalho é melhor do que o outro e que os dois devem ser feitos com muita dedicação, empenho e rigor. Ensinou-me como é importante o rigor com o nosso comportamento, mas também rigor nas relações, no trabalho... Ter a modéstia e a humildade e batalhar. Sem dúvida que herdei isto do meu pai e é o que tento passar à minha filha. Outra coisa muito importante que ele me ensinou foi a de que devemos fazer o que gostamos, e essa foi também uma das razões de eu ter ido de Biologia para a representação, porque ele me deu a oportunidade de fazer aquilo que mais gostava. Na verdade, o importante é sermos felizes! E eu espero passar tudo isto à minha filha. Aliás, uma das razões pelas quais ela se chama Beatriz – tal como na música de Chico Buarque – é porque o seu nome significa “alguém que traz felicidade”.