SURFAR NO PARAÍSO
Da escravatura à independência em 1975, a pacata ilha de São Tomé começa a despertar curiosidade como novo paraíso do surf. A Men’s Health partiu à aventura e foi conhecer o real potencial das ondas da antiga colónia portuguesa.
A selva sempre foi um lugar tão natural quanto obscuro
um lugar repleto de árvores de se perder de vista, rodeado por uma vegetação altamente densa. É esse o local por onde caminha Christoph Jorda e a sua namorada, Frankziska Stoewe. Ao meio-dia, a temperatura aproximava-se de 32° C e a elevada humidade dificultava-lhes a respiração. A caminhada parecia não ter fim e o cansaço apoderava-se deles. Às costas uma mochila e nos braços a prancha de surf. Quando estava quase a anoitecer, foram surpreendidos por um habitante local que trazia uma prancha de surf nos braços. Isto no meio da floresta. “Surf?”, perguntou o são-tomense num arriscado sotaque em inglês. “Venham comigo”, acrescentou em português. Jorda e a namorada trocaram um breve olhar antes de decidirem arriscar. O homem levou-os através da selva de palmeiras até uma gigante encosta. O ambiente tornou-se imediatamente outro. Os olhos de Jorda e Frankziska brilharam como se fossem crianças: ao olharem para baixo, Jorda viu a onda mais transparente e perfeita dos últimos tempos. Agradeceram ao guia improvisado e, em ritmo apressado, desceram até à praia. Feito. Tinham chegado à terra prometida.
HISTÓRIA E PAIXÃO
São Tomé não é um destino de surf. E essa é precisamente a questão. Oficialmente, a República Democrática de São Tomé e a pequena ilha de Príncipe, ficam no Golfo da Guiné, a cerca de 155 milhas da costa noroeste do Gabão. É o segundo país africano mais pequeno depois das Seychelles, com 98% dos 157 mil habitantes que falam português. Outrora, São Tomé chegou a ser o principal exportador africano de açúcar, café e cacau. Anos de escravatura e o massacre de Batepá em 1953, onde foram mortas várias centenas de trabalhadores africanos, marcaram uma parte negra da ex-colónia lusa. Existem até rumores de que, durante este conflito, foram queimadas dezenas de pessoas até à morte e outras foram torturadas com correntes elétriImagine
cas e os seus corpos despejados no mar. A paz foi restaurada anos depois, até que, em 1960, surgiu um grupo nacionalista opositor ao domínio português, que, em 1972, se passou a apelidar de Movimento de Libertação de São Tomé e Princípe (MLSTP). Três anos depois, depois de 500 anos de dependência portuguesa, o arquipélago de São Tomé e Príncipe tornou-se independente. Depois de toda esta parte revolucionária, o povo são-tomense foi conseguindo redefinir o seu caminho e (modo de) vida. Tornou-se uma das primeiras nações africanas a sofrer reformas igualitárias, a legalizar os partidos políticos e a ter eleições democráticas. As fábricas de café e cacau agora vazias - foram lentamente recuperadas. Hoje, fora da capital (também chamada de São Tomé), a maioria das pessoas sente-se feliz ao trabalhar apenas as horas necessárias para conseguir comprar comida suficiente para o dia a dia. Cerca de um quinto da população de São Tomé e Príncipe trabalha no setor da
pesca, que é claramente a base da alimentação local. Os homens partem todos os dias para a pesca e trabalham na manutenção dos barcos e redes, enquanto as mulheres transportam, vendem ou preparam o pescado. O resto do tempo é para descansar e estar em família. Mas agora que este pequeno paraíso com potencial de ondas começa a ser falado, alguns habitantes locais, sobretudo os mais jovens, começam a dedicar-se ao acompanhamento de surfistas. São os novos guias, mas também se divertem imenso a surfar. A ilha tem uma beleza natural rara, o que encantou o aventureiro e fotógrafo alemão, Christoph Jorda, de quem falamos. “Eu estava a olhar para um mapa do mundo no meu computador e a pesquisar por locais selvagens com ondas”, contou ele à MH. “Felizmente, deparei-me com esta pequena e inesquecível ilha”. Depois Jorda começou a pesquisar com mais detalhe. Sentiu falta de informação sobre o local, como é óbvio. Apenas encontrou informação mais fiel a partir da década de 90. Mesmo sendo uma espécie de lugar misterioso, Jorda e a namorada decidiram marcar viagem e partir à aventura. “Não consegui encontrar muita informação sobre os locais de surf na ilha, mas sabia que havia 5.000 km de oceano, por isso tinha de haver ondas surfáveis. E se não houvesse qualidade de ondas, esta seria certamente a aventura de uma vida”, explicou.
Para além dos spots que encontrou para surfar, Jorda sugere que se conheça a pacata vila de pescadores de Porto Alegre e não deixe de ir ao Jalé Ecolodge (ecolodgejale.com) junto ao parque Natural Obô de São Tomé, uma área com ecossistemas de mangal, marinho e floresta tropical. Por aqui, encontrará os habitantes das comunidades locais, a quem poderá comprar comida, peças de artesanato, etc. É uma viagem incrível a bordo de canoas velhas, feitas das mesma madeira em que os improvisados surfistas locais desenham e constroem as suas próprias pranchas de surf e de bodyboard. E há imenso potencial. Sem
grande conhecimento técnico e com “ferramentas básicas” para surfar, “eles já fazem uma boa parte das principais manobras de surf, algo que, confesso, alguns dos profissionais de surf de países ocidentais levam anos a aprender”, relatou Jorda.
EXPERIÊNCIA DE VIDA
Surfar representa a ponte cultural que liga os são-tomenses aos visitantes ocidentais como Jorda. “Os habitantes locais foram incríveis connosco”, lembra o fotógrafo. “Ter uma prancha de surf verdadeira na ilha é algo realmente especial. Então, quando eles nos veem com elas ficam radiantes”. Dois adolescentes, Danilke e Sheshe - de Santana, uma aldeia na costa nordeste da ilha - convidaram Jorda para surfar num recife local. Eles são apenas dois de um imenso grupo de jovens na ilha com pranchas – e tábuas semelhantes - em segunda
mão. “Danilke é de uma família muito pobre”, diz Jorda. “Todas as manhãs vai mergulhar para apanhar polvos e outros peixes para vender, mas assim que termina, vai direto para a praia para surfar”. A chegada da Internet, há seis anos atrás, forneceu a única ferramenta que Danilke e Sheshe precisam. “Eles passam toda a noite online a assistir a vídeos do World Surfing Tour para depois tentar reproduzir as manobras no dia seguinte. Eles não têm medo, simplesmente saem e tentam arriscar nos áreos e 360s. E muitas vezes conseguem! “Se esquecermos a dificuldade que têm em falar inglês, conseguimos entendê-los pelos gestos que fazem. Percebi que, para se chegar aos melhores picos, há que nadar bastante até lá e que, em alguns casos, é extremamente perigoso”, contou-nos Jorda. De tubarões a rochas submersas e ondulação muito forte, um surfista inexperiente pode colocar rapidamente a sua vida em perigo, mesmo num paraíso como este. “A Praia Jale no oeste é um lugar realmente áspero e ventoso com muitas rochas e correntes fortes”, diz o fotógrafo. “Há que ser um surfista experiente que saiba ler bem o mar, caso contrário pode ser muito, muito perigoso”. Surfar perto da aldeia de Danilke também tem os seus riscos. As partes do oceano que atingem um fundo de pedra, criam duas ondulações em direções opostas. “Aqui há apenas dois metros de profundidade”, diz Jorda. “Há uma fenda acentuada que tem de se evitar assim que estamos na onda para não ir contra as rochas”. Surfar aqui acarreta outros desafios: a comida e a forma de encontrar energia! Enquanto a ilha tem peixes abundantes, bananas e papaia, os moradores frequentemente recebem dois cocos por dia, com uma refeição de peixe à noite. “Adoro a comida daqui”, diz ele sobre os produtos da ilha. “As pessoas convidavam-nos para comer nas suas casas, para cozinhar, o que depois de um dia inteiro a surfar se torna realmente apetecível. Aqui tudo é diferente: “Nos nossos países chegamos a trabalhar dez horas por dia por dinheiro, aqui trabalham duas ou três horas por comida. O resto do tempo, vivem”.
O PARAÍSO
O sol está a pôr-se e a luz brilha na água. Um grupo de surfistas locais juntam-se a Jorda e à namorada, experimentam as pranchas uns dos outros e tentam copiar as manobras. Mais tarde, ao jantar um delicioso peixe grelhado, surgem crianças locais que vão pedir a Jorda algumas coisas de surf antes de regressarem ao seu país. Ele disse que sim e deixou-lhes várias coisas, desde cera ao kit de reparação das pranchas. Não é apenas uma forma de retribuir a hospitalidade com que os receberam, mas um investimento no futuro. Surfar em São Tomé foi um desafio: Jorda disse à Men’s Health que esta foi uma das experiências mais diferentes que viveu. “Eu não trocava esta experiência de vida e poder surfar com estes amigos são-tomenses por várias dias de ondas perfeitas em Bali. Para mim, surfar é sobretudo poder fazê-lo em vários lugares e conhecer outras culturas. E a esse respeito, nenhum lugar bate São Tomé”.
O governo de São Tomé e Príncipe planeia desenvolver a indústria do turismo e, lenta mas seguramente, mostrar o potencial das suas ondas ao mundo surfista. Pode ser que este artigo ajude. O que quer que venha a acontecer, uma coisa é certa: este contacto humano com os são-tomenses é a maior das suas riquezas.
BOAS ONDAS
13-15\ Cachi e Danilke são dois habitantes locais que já surfam boas ondas em Santana, lugar onde decorre o campeonato nacional de surf de São Tomé. “Tem um reef que parte daqui, com milhões de ondas”, diz Jorda.