DISCURSO DIRETO
O Alfaiate Lisboeta fez de José Cabral um dos primeiros "influenciadores" em Portugal. Quando criou o blogue, em 2009, ambicionava esse papel? Porquê? Com toda a honestidade, nunca tive essa ambição. Quando criei O Alfaiate Lisboeta ignorava por completo aquilo que representava realmente a blogosfera ou qual o potencial dos conteúdos em formato digital. Queria testar a minha escrita e, com sorte, fazer dela um ofício. Curiosamente isso aconteceu por via de uma outra forma de expressão acerca da qual nunca tive qualquer pretensão: a fotografia. O que é que mudou desde então? A diversidade atual de bloggers, youtubers, instagrammers, entre outros, torna mais complicado criar uma marca pessoal? Porque é que há mais pessoas a criar contas, a registar marcas e a chegar aos outros? Arrisco a dizer que também há muitas pessoas disponíveis para consumir os seus conteúdos. As pessoas passam dias inteiros com os smartphones nas mãos. Como é que se consegue um equilíbrio entre autenticidade e sucesso comercial num projeto deste género? Seleciona a publicidade e os patrocínios que aceita? Ainda se lembra do que é que fazia dos blogues sítios tão especiais? Olhares pessoais, independentes e genuínos a contrastar com uma imprensa (supostamente) viciada pelos interesses comerciais? A blogosfera era o sítio onde pessoas reais partilhavam testemunhos reais. Quando em 2013, 2014 ou 2015 (assumindo que nem todos se deram conta do real impacto do seu trabalho num primeiro momento), o grosso das pessoas que se dedicavam a produzir, com reconhecimento e escala, conteúdos relacionados com moda começaram também a partilhar conteúdos comerciais. Tudo começava com um e-mail introdutório de uma marca ou numa conversa num evento, ganhava forma num feedback sob a forma de orçamento e redundava num pagamento da marca ao autor. Sei do que falo, pois fui abordado vezes sem conta, como se fossem ideias e histórias suas por obra e graça de uma paixão (cuja veracidade, dado o contexto, me vejo obrigado a questionar) por uma dada marca ou produto acho que toda e qualquer mais valia editorial se esvanece num acto corrupto. Quando as pessoas que existem enquanto criadores ou editores de conteúdos decidem partilhar publicidade como se de matéria editorial se tratasse, acho que há uma prostituição do autor e uma violação de um princípio primário de transparência para com o leitor. Escolhi sempre a publicidade pessoalmente (banners) e nunca aceitei qualquer tipo de conteúdo pago/patrocinado. E se alguma vez o tivesse feito tê-lo-ia assinalado como tal. As marcas pessoais respondem de alguma
forma por quem lhes confere uma existência. Como tal, a minha teria que refletir também os meus valores, mesmo que isso representasse (e representou) um custo de oportunidade financeiro tão significativo.
Os influenciadores são as celebridades criadas pela geração Y ou o fenómeno será sobretudo mais notório com os mais novos, atuais sub-18? Qual é a sua opinião acerca disto?
Os influenciadores precisam de um palco, mas esse já existia antes da revolução digital. O exemplo do nosso Presidente da República (que foi eleito sem o apoio de qualquer partido politico numa campanha sem recurso a outdoors) é o mais óbvio. O que as plataformas digitais trouxeram foi outra coisa.
Foi a democratização desse caminho. Ou seja, qualquer um (e não apenas um jornalista de moda, um editor de política ou um viajante profissional) tinha acesso a, se o destino assim o ditasse, influenciar os outros sobre aquilo que eles haveriam de vestir, votar ou viajar. E nesse sentido o acesso gratuito às plataformas e aos seus mecanismos de edição e publicação democratizou o acesso ao estatuto de influenciador. E isso sim é bom exemplo (dentro e fora da moda) daquilo que mais bonito e democrático trouxe, num primeiro momento, a blogosfera e toda esta revolução digital.
Nos anos em que publiquei conteúdos de uma forma mais regular n’ O Alfaiate Lisboeta era bancário. E muitas outras histórias há de pessoas que se notabilizaram em determinadas áreas porque, pura e simplesmente, os seus conteúdos cresceram de forma orgânica e, por mérito próprio, chegaram cada vez a mais e mais pessoas (podendo-se também, como em relação a qualquer outro conteúdo, discutir a sua qualidade) quando não sonhavam sequer com as 1001 doutrinas, teorias ou práticas de Marketing Digital que entretanto haveriam de nascer. Estamos a falar de um mar de “Zés ninguéns” que, por obra e graça da sua dedicação a uma publicação caseira, pareciam acrescentar valor a quem insistia em segui-los. E esse foi um movimento inegável e brutal.
Quem, na sua opinião, vale atualmente a pena seguir, ou são os principais influenciadores, nacionais e internacionais, nas redes sociais?
De uma forma geral, os principais influenciadores são pessoas que, a seu tempo, decidiram mentir aos seus seguidores apresentando-lhes conteúdos pagos como se fossem partilhas espontâneas concebidas por si. Posto isso, tenho preferência pela imprensa tradicional que, na minha opinião teve, em muitos casos, o mérito de aprender com bloggers e outros (web)influenciadores, conseguindo assimilar as boas práticas de expressão em contextos digitais que estes inauguraram, mas rejeitar muitos dos seus procedimentos que, no meu entender, não poderiam jamais ter lugar num contexto dito editorial.